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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Samba de Terça - "Aquaticópolis"



Nesta terça feira, retomaremos o tema da coluna anterior e trazemos um carnaval que é declaradamente inspirado no "Tupinicópolis" que mostramos aqui.

A Renascer de Jacarepaguá é uma escola nova, fundada em 1992. Entretanto, suas raízes são antigas, derivadas do antigo bloco "Bafo do Bode", fundado em 1959 - e do qual herdou a quadra, que fica no Tanque, um dos sub-bairros de Jacarepaguá.

A escola oscilou nos grupos inferiores até a chegada do Presidente, patrono e mecenas Antônio Carlos Salomão, consagrado presidente da escola. Em 2005 a escola chegou ao Acesso A, segunda divisão das escolas de samba, e por lá se mantém, crescendo ano a ano em seu desempenho e sua estrutura.


Para 2010, a escola esperava dar mais um salto de qualidade após o surpreendente vice campeonato do ano anterior. Para isso a escola trouxe nada menos que o carnavalesco Paulo Barros, que revolucionara os desfiles nos anos anteriores; e a grande promessa Wagner Gonçalves, com bons trabalhos na Inocentes e posteriormente na Cubango - com um belo enredo sobre a bailarina Mercedes Batista.

Barros e Wagner propuseram um enredo que era uma homenagem e uma referência a Fernando Pinto e "Tupinicópolis": uma cidade aquática, no fundo do mar, uma "Atlântida" no carnaval. "Aquaticópolis".


A sinopse era uma homenagem clara a Fernando Pinto:

"Sinopse

Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará...

...Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo


A Renascer de Jacarepaguá lança um novo olhar sobre o espelho d''agua e vislumbra a sua imagem, distorcida e refletida, parodiando uma ficção de impostação fabulística : a lendária Aquaticópolis. Uma Megalópole Aquática, na qual humanóides, em um jogo lúdico, convivem entre os crustáceos, anfíbios, peixes, moluscos, mantendo uma civilização exótica nas profundezas do mar. O bio-acquo-magnetismo desenvolveu brânquias e membrana nos habitantes dessa fantástica cidade, estabelecendo assim uma força capaz de resistir à grande pressão da água.

Tudo em Aquaticópolis é Biofilosofia Aquática e compõe um Coletivo Aquático, uma Metrópole Marinha.

Aquaticópolis é a ilusão da cidade pós-moderna composta por toda a engrenagem marítima. Imponente e fascinante, esta cidade ergue-se entre algas, corais, bolhas, espumas e águas vivas, decorrente de riquezas naturais. Aquaticópolis é uma carnavalização consciente das necessidades de preservação ambiental.


O cotidiano da cidade navega entre o dia e a noite, velejando por entre as obrigações do dever que envolvem a indústria e o comércio (e a informalidade desses setores); a educação, a segurança e a saúde (e principalmente a falta delas), determinando assim todo o planejamento de uma grande metrópole.

A locomoção na aglomerada cidade se dá através do transporte marítimo resultante de um grande desenvolvimento industrial, com bases nos investimentos na infornáutica e tecnologia, gerando a acqualização profissional do cidadão acquaticopolitano. A concentração e dispersão da cidade vão seguindo todo um mar de movimentos fluindo em perfeita harmonia.

Entretanto, uma tormenta provocada pela Ganância e a Ambição das questões políticas dessa espinha social, desencadearam um choque térmico de ordem e desordem entre os valores, criando assim camadas e escamas sociais. Pérolas da Aldeia Marinha, na qual poucos conduzem o remo e muitos se deixam levar pela correnteza. E assim, entre a maresia e a ressaca, a fascinante Aquaticópolis é incapaz de resolver os problemas de poluição e conter ondas de violência, transbordando o caos e o stress.

A noite na cidade é fascinante. Os shows que embalam a Concha Acústica emitem sons de caráter libertário. A iluminação fluorescente, vinda de peixes bioluminescentes, dando brilho e glamour à cidade, impulsionando novas performances náuticas que geram cardumes de possibilidades. Nos Lençóis, a sensualidade é um mix de moda, cultura e entretenimento.

Em Aquaticópolis, a correnteza represada criou uma sociedade naufragada nas mazelas. E assim, nos desprezados escombros, são reconstruídos valores outrora ancorados na memória em que se entrelaçam presente, passado e futuro, formando um verdadeiro divisor de águas. Inovações e invenções que nos dias de folia fazem com que o povo de Aquaticópolis, abençoado pelo Rei dos Mares, dê um original "banho de mar à fantasia" que vai se renovando sempre como uma onda no mar...

Mergulhe nessa fantasia e venha Renascer em Aquaticópolis.

Para Fernando Pinto e Marvel Stan Lee"



A disputa de samba, no entanto, teve alguns percalços. Passo a palavra ao compositor Gabriel Carqueijo, vencedor em 2009, petroleiro e portelense como eu, que esteve lá e pode dar o seu relato:

(por Gabriel Carqueijo)

"O carnaval de 2010 da Renascer de Jacarepaguá foi desenvolvido pelos carnavalescos Paulo Barros e Wagner Gonçalves. No primeiro encontro com os compositores, durante a apresentação do enredo, os carnavalescos deixaram bem claro que tratava-se de uma homenagem ao carnaval de 87 da Mocidade do genial Fernando Pinto.

Simples assim: algo como substituir os índios e as aldeias daquele desfile por seres marinhos e o fundo do mar. Quinze sambas foram inscritos e, após dois meses de disputa, três composições foram para a final. Os mesmos que haviam participado da final no ano anterior. 

Nossa parceria (Gabriel da Penha, Leandro Nogueira, Luiz Gustavo, Deco e Igor do Cavaco – campeões em 2009), a parceria de Cláudio Russo, Adriano Cesário, Fabio Costa e Cia. e a parceria de Moisés Santiago, Jayme Cesar e Cia.


O samba da parceria do Moisés seguia uma linha mais animada e irreverente, com um refrão bem popular, ao estilo das últimas composições do Salgueiro, sua escola de origem: “Deixa a água rolar (deixa! deixa!) / Vem que eu sou Renascer (vem ver! Vem ver!) / Aquaticópolis, um mundo de magia / É show, é carnaval, é Alegria!”

O samba de Claudio Russo e parceiros não se prendia tanto ao texto da sinopse. Conseqüentemente, era mais poético. A cabeça do samba era bem bonita: “Nas profundezas desse mar / Aqua-cidade da magia / Meu sonho vai se transformar / Buscando a hidroarmonia / Eu vou... / Ao oceano da minha ilusão / Vai navegando o meu coração / Vencendo a bruma / Na branca espuma / Corais... / Manto bordado num grande portal / Meu acalanto a caminho do cais / Brilha a sereia do meu carnaval”.

Nossa parceria optou por descrever o enredo. Detalhes e a ordem da sinopse foram respeitados por nós. De acordo com a sinopse, o enredo começava com a escola de samba lançando seu olhar para o fundo do mar e avistando essa cidade submersa, onde os seres humanos se adaptaram para ali viver, ganhando brânquias e guelras. 

A cidade se desenvolveu, tornando-se uma megalópole marinha. A tecnologia, o transporte... toda a modernidade trazia mais vantagens para a vida ali. A vida noturna também era bastante agitada. Como toda cidade, Aquaticópolis tinha problemas de desigualdade, miséria, pirataria... Mas todos esses problemas eram esquecidos numa única época do ano. Carnaval! O rei dos mares ordenava e os súditos iam festejar!!!


Dessa forma, compusemos o samba levando em conta essa cronologia que destaquei:

"MERGULHEI NO ESPELHO AZUL DO MAR 
A FANTASIA REFLETE EM MEU OLHAR 
BELEZAS DE UMA CIDADE 
ONDE A HUMANIDADE VEIO ENCONTRAR 
A HARMONIA COM A NATUREZA 
TANTA RIQUEZA PARA DESVENDAR 
ASSIM... 
AQUATICÓPOLIS EVOLUIU 
UMA METRÓPOLE ENTÃO SURGIU 
ALÉM DA IMAGINAÇÃO 
INOVANDO O DIA-A-DIA A TECNOLOGIA 
NAS ÁGUAS, A TRANSFORMAÇÃO 

A LUZ DO LUAR VEM PRATEAR 
UM SHOW DE ESTRELAS-DO-MAR 
TUDO É FESTA... ESPLENDOR! 
QUEM DERA CONQUISTAR UM GRANDE AMOR (bis) 

AMANHECEU... 
OS VENTOS TRAZEM A REALIDADE 
PIRATARIA E DESIGUALDADE 
BANHADAS PELA AMBIÇÃO 
CORRENTES DISPUTAM PODER 
O POVO CANSOU DE SOFRER 
NADA PRA SOBREVIVER 
PORÉM... NUM DIA DE MAGIA 
A ONDA DA ALEGRIA INVADE O CORAÇÃO 
É CARNAVAL! 
UM LINDO CORAL CLAMA A PRESERVAÇÃO 

VEM NAVEGAR 
NO OCEANO DE EMOÇÃO 
RENASCE EM JACAREPAGUÁ 
O SONHO DE SER CAMPEÃO"

Aqui o leitor pode ouvir e baixar o samba.


É sempre bastante difícil falar de uma Final quando se perde, mas foi uma final bastante equilibrada, porém com erros da bateria. A Bateria criou uma bossa para ser apresentada no dia da final e que encaixaria nos 3 sambas. 

Durante a apresentação do primeiro samba (Moisés e parceiros) e do segundo samba (Gabriel e parceiros), a bateria não encaixou a bossa, atravessaram o samba e as apresentações, pelo menos no início, foram caóticas, apesar da participação ativa das torcidas. Já no terceiro samba (Cláudio e parceiros), a bossa encaixou perfeitamente.

O site CARNAVALESCO fez a reportagem sobre a Final e mencionou o problema dessa bossa

O samba rendeu muito bem no desfile, a bateria fez uma ótima apresentação e a escola veio bem colorida e com uma curiosidade: SEM PLUMAS! 

Não fosse o problema ocorrido durante a apresentação da Comissão de Frente, quando um integrante da escola empurrou o tripé utilizado pela comissão, o que não é permitido pelo regulamento, a Renascer de Jacarepaguá teria sido vice-campeã novamente, ficando atrás somente da São Clemente."


Bom, o Gabriel já contou de certa forma o final da história, mas vamos retroceder e voltar à noite de 13 de fevereiro de 2010, sábado de carnaval. A Renascer seria a sexta escola a desfilar, posição que tinha escolhido por ter sido a vice campeã no ano anterior.

Após uma comissão de frente não muito feliz - e que seria penalizada - a escola começava a passar, trazendo um sopro de criatividade neste marasmo de plumas, índios, egípcios e cidades que vemos no carnaval atualmente. Todos os elementos de uma cidade iam sendo apresentados de forma inusual e muito feliz.

Eu, que estava nas frisas do Setor 3, imediatamente relacionei a Fernando Pinto o que estava vendo, sob alguns protestos, confesso, de amigos mais antigos. 

As fantasias em espuma relacionavam a muitos o talentoso - e precocemente falecido vítima do drama da cocaína - Oswaldo Jardim. Era como se os espíritos dos dois carnavalescos estivessem permeando e sendo novamente revividos na avenida. Algumas fantasias, como a da arraia carnavalesca (abaixo), eram sensacionais, inteligentíssimas. O samba, embora não tenha sido espetacular, embalou bem o cortejo da vermelha e branca.


Lembro aos leitores que uma escola sem se utilizar de plumas não necessariamente é uma solução de bom gosto: basta ver o que a Portela fez este ano, onde as fantasias também não tinham plumas, mas eram simplesmente lamentáveis...

Apesar do problema da comissão de frente - alegou-se que outras pessoas que não os integrantes dela empurraram o tripé - na visão de muita gente, inclusive eu, a escola saiu do desfile como uma das grandes favoritas à vitória e a única vaga ao Olimpo do samba, o Grupo Especial. Mas...

Em resultado sobre o qual já protestei aqui outras vezes e que até a minha filha mais velha perceberia que não teve muito a ver com o que se viu naquele sábado de carnaval (acho que o leitor entende o que eu quero dizer) a escola sofreu uma penalização de dois pontos e acabou apenas com o oitavo lugar, com 267,2 pontos.

Sem a perda de pontos a escola seria a vice campeã do carnaval, atrás apenas de um inacreditável "10 de ponta a ponta" da "campeã" São Clemente. Infelizmente todo o mundo do samba sabe o que ocorreu, mas provar é que são elas...

Bom, vamos ao samba, da parceria já citada. Abaixo o leitor pode ouvir a versão ao vivo na avenida dele:



"Nas profundezas desse mar
Aquacidade da magia
Meu sonho vai se transformar
Buscando a hidro harmonia
Eu vou ao oceano da minha ilusão
Vai navegando o meu coração
Vencendo a bruma na branca espuma
Corais, manto bordado no grande portal
Meu acalanto a caminho do cais
Brilha a sereia do meu carnaval

O tempo não para, como uma onda no mar
No espelho d'água, eu hoje vou me acabar
No horizonte de peixes minha paixão
A minha fonte de inspiração

Tormenta social
Corrente da ressaca de ambição
É tão desigual a maré da exclusão
A noite traz um show de cores que fascina
A concha faz um som que treme a marina
Embaixo dos lençóis a sedução
E a comunidade é abençoada
Pelo rei dos mares, assim embalada
Renova seus sonhos, renasce então
Na face de um folião

Sou Renascer de Jacarepaguá
As águas vão rolar, é carnaval
Vem mergulhar nessa alegria
Eu quero ver banho de mar a fantasia"

Abaixo, podemos ver mais um vídeo do excelente desfile da escola. Mas nem tudo foi decepção: Paulo Barros conquistaria seu primeiro título de campeão do carnaval pela Unidos da Tijuca, e com a boa repercussão do desfile da Renascer Wagner Gonçalves transferiu-se para a Estação Primeira de Mangueira.

Nada mal.



(Fotos: Arquivo Pessoal Pedro Migão)


P.S. - O post com a promoção das camisas rubro-negras está aqui embaixo

terça-feira, 22 de junho de 2010

Samba de Terça - "Dom Quixote de La Mancha - O Cavaleiro dos Sonhos Impossíveis"



Nosso "Samba de Terça" de hoje volta a 2010 e a um samba que será lembrado aqui muito mais pela façanha que empreendeu e o simbolismo de sua vitória que propriamente pela qualidade do samba ou sua perenidade.

Falo da União da Ilha do Governador, escola do bairro onde moro e pela qual adquiri um carinho todo especial.

A escola havia retornado ao Grupo Especial, o Olimpo do Samba, após um longo e imerecido exílio na Segunda Divisão do samba carioca. Foram oito longos carnavais, onde em pelo menos quatro ocasiões a escola poderia perfeitamente ter vencido o desfile e retornado: 2003, 2005, 2006 e 2008. Somente em 2009 a escola havia alcançado o seu objetivo e voltado ao seu lugar.


Para o carnaval de 2010, a escola insulana se conscientizou de que somente com nomes de peso poderia lutar contra uma incômoda maldição: desde 1998 que uma escola abrindo o desfile de domingo não conseguia se manter no grupo.

Mais: de 2003 para cá a escola que vinha do Grupo de Acesso era mandada inapelavelmente de volta para o segundo grupo, inclusive com algumas injustiças gritantes - Santa Cruz em 2003 e o Império Serrano em 2009 são dois bons exemplos. Era uma missão quase impossível.

A escola contratou a campeoníssima carnavalesca Rosa Magalhães, que havia sido demitida da Imperatriz Leopoldinense após dezenove anos de serviços prestados à escola da Leopoldina. Esta propôs um enredo sobre a história de Dom Quixote de La Mancha, traçando um paralelo entre a inglória luta do personagem de  Cervantes com o desafio da tricolor insulana para se manter entre as grandes. Nas palavras da sinopse:



"Num lugar da Mancha, de cujo nome não quero lembrar-me, vivia um fidalgo. Tinha em casa uma ama e uma sobrinha. Orçava em idade, o nosso fidalgo, pelos cinquenta anos. Era rijo de compleição, seco de carnes, enxuto de rosto, madrugador e amigo da caça... 

É pois de saber, que este fidalgo, nos intervalos que tinha de ócio, que eram muitos, se dava a ler livros de cavalaria com tanto empenho e prazer, e era tanta paixão por essas histórias, que chegou a vender parte de suas terras para comprar livros de Cavalaria. O que mais admirava era os "Os quatro de Amadis de Gaula", primeiro livro de cavalaria que se imprimiu na Espanha. 

E o pobre cavaleiro foi perdendo o juízo. Sua imaginação foi tomada por tudo o que lia nos livros - feitiçarias, contendas, batalhas, desafios, amores e disparates inacreditáveis. Foi assim que acudiu-lhe a mais estranha idéia , que jamais ocorrera a outro louco nesse mundo. Pareceu-lhe conveniente fazer-se cavaleiro andante, em busca de aventuras e viver tudo o que havia lido sobre o assunto". 

Assim começa a saga de um cavaleiro que se tornou imortal. Escrito por Miguel de Cervantes, a princípio era uma crítica aos romances de cavalaria. Porém sua importância foi além dos limites que imaginara. É considerado o primeiro romance da era moderna e escolhido como o melhor livro já escrito até os dias de hoje. 

Voltando ao nosso herói, ele escolheu um nome, Quixote de la Mancha, batizou seu magro cavalo de Rocinante, tomou um vizinho, lavrador pobre e bastante simplório, como seu fiel escudeiro. E para cavaleiro andante nada mais lhe faltava a não ser uma dama. Foi então que se lembrou de uma aldeã por quem já fora enamorado, embora ela nunca tenha sabido, chamada Aldonza Lorenzo. Pôs-lhe então o nome de Dulcinéia del Toboso. 

Assim, armado e montado em Rocinante, acompanhado pelo escudeiro Sancho Pança montando seu burrico russo, Dom Quixote resolve sair em busca de aventuras, que devo dizer não foram poucas. 

Investiu contra os moinhos de ventos, achando que eram gigantes, obra do grande feiticeiro Fristão, tomou rebanho de ovelhas por exércitos inimigos, e fez o mesmo com uma manada de touros. De um barbeiro, levou-lhe a bacia dourada, pois achava que era o elmo de Mambrino, colocou-a na cabeça e esta bacia passou a fazer parte de sua indumentária enferrujada e antiga, pertencente a seu bisavô. 

Enquanto Dom Quixote se aventura pelo mundo, sua sobrinha, ajudada por amigos, resolve destruir todos os livros de cavalaria dele e bloqueia a porta do seu escritório, para parecer que esta sumira como que por encantamento. No afã de leva-lo de volta para casa, o noivo da moça se disfarça de cavaleiro da Branca Lua e desafia Quixote para um torneio. Caso ele perdesse, teria que se refugiar em casa por um período de um ano, esquecendo-se das aventuras de cavaleiro andante. 

Quixote é vencido por seu oponente e, como era fidalgo de palavra, volta para casa, para júbilo de todos, e aos poucos vai recobrando a sensatez e esquecendo-se das aventuras do grande D. Quixote de la Mancha. 

"Quixote encanta pela loucura da luta por ideais dos quais a razão desistiu. Os humanistas domesticados pela razão cínica viraram técnicos em acomodação". 

Quixote, como Cervantes, foi-se em agitação criativa e penúria material. Quatro séculos após a sua vinda, restam o quixotesco de anedota, frases divertidas, fugaz admiração. Do ideal, apenas a glória do derrotado. Venceu o pragmatismo de Sancho. 

Mas vale a pena ler, quimeras são sempre divertidas, a infância ou a loucura ainda mora na essência das nossas almas quixotescas... 

"Sonhar,
Mais um sonho impossível 
Lutar
Quando é fácil ceder
Negar quando a regra é vender...
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão".

Rosa Magalhães
Carnavalesca

Bibliografia consultada: 

- Dom Quixote de la Mancha - de Miguel de Cervantes - Ilustrações de Gustave Doré - Tradução - Viscondes de Castilho e de Azevedo - Lello e irmão editores - Porto - 2 volumes - s/data

- Dom Quixote de la Mancha - de Miguel de Cervantes, tradução de Ferreira Gullar - editora Revan - 2002

- Artigo - Quatro séculos do maluco beleza - Alcione Araújo - Revista Argumento número 8 pág 117

- Sonho impossível - Musical Mano of la Mancha - de Dale Wasserman, Joe Darion, Mitch Leigh - tradução Chico Buarque de Hollanda.



O samba escolhido é fruto de uma junção entre duas composições. Quem acompanhou a disputa desde o início garante que a soma das composições teve motivos políticos, a fim de acomodar correntes que auxiliavam a agremiação. 'Mumunhas' de disputas...

A escola foi a primeira a desfilar domingo de carnaval deste ano, 14 de fevereiro. Depois de dois anos desfilando pela escola houve um problema e tive de me contentar em assistir do Setor 3.

A União da Ilha fez um desfile com extremo bom gosto em fantasias e alegorias, embora estas últimas não tivessem tamanho muito ampliado. A bateria sustentou bem o ritmo e permitiu à escola um bom desfile, apesar dos problemas para a entrada de dois carros.


Na apuração da Quarta Feira de Cinzas, a surpresa: referendando o bom desfile da escola, e contando com o péssimo desfile da Unidos do Viradouro - e seus problemas políticos - a União da Ilha obteve o décimo primeiro lugar, com 293,8 pontos. O Branca Lua, inatingível, estava vencido.

Sem dúvida alguma é uma lição para todos nós - eu inclusive: nada é impossível. Nossos "Brancas Lua" podem ser invencíveis agora, mas com perseverança temos totais condições de superar nossas barreiras e alcançar nossos objetivos.

Por outro lado, muitas vezes desistimos de nossos sonhos em favor de conveniências outras...

Vamos ao samba e, abaixo, o "esquenta" da escola neste ano.


Autores
Grassano, Gabriel, Márcio André, João Bosco, Arlindo Neto, Gugu das Candongas, Marquinho do Banjo, Barbosão, Ito e Léo

Puxador
Ito Melodia

Voltou a Ilha
Delira o povo de alegria
Nessa folia sou fidalgo, sou leitor
Cavaleiro sonhador
Num mundo é de magia
Vou cavalgar no Rocinante
Meu escudeiro é Sancho Pança
Se Dulcinéia é meu amor
Quem eu sou?
Sou Dom Quixote de la Mancha


O gigante moinho me viu deu no pé
O povo grita olé
Nesse feitiço tem castanhola
A bateria hoje deita e rola


Vesti a fantasia, fui à luta
Venci manadas, rebanhos
Fiz de uma bacia, meu elmo de glórias
Meus livros se perderam pela história
Enfim, fui vencido pelo Branca Lua
Voltei, pra casa esquecendo as aventuras
No tempo ficou, os meus ideais
Quimeras são imortais

A Ilha vem cantar
Mais um sonho impossível... sonhar
Quem é que não tem, uma louca ilusão
E um Quixote no seu coração"

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Samba de Terça - "Brasil de Todos os Deuses"


Hoje é quarta feira, mas por conta da divulgação do resultado da promoção ontem temos a nossa coluna "Samba de Terça" hoje, quarta.

Nos mantemos em 2010. Outro samba bastante incensado na pré-temporada carnavalesca e que também foi bastante afetado no dia do desfile por questões extra-samba.

A escola da Leopoldina vinha de um desfile bastante morno no ano anterior. Apesar do sétimo lugar, o desempenho do samba não agradou à escola, bem como o trabalho da carnavalesca Rosa Magalhães.

Para 2010 a diretoria da escola resolveu dar uma sacudida. A carnavalesca, desde 1993, foi dispensada. Trocou-se também todo o carro de som, a começar pelo puxador.


Foram contratados o carnavalesco Max Lopes e o puxador Dominguinhos do Estácio, ambos vindos de experiências não muito bem sucedidas em suas escolas anteriores - respectivamente Porto da Pedra e Inocentes de Belford Roxo.

Max Lopes propôs à escola o enredo "Brasil de Todos os Deuses", um passeio pela religiosidade do povo brasileiro. Era um enredo muito semelhante aos levados pela Mocidade Independente em 1995 e especialmente pelo Império Serrano em 2006.

Nas palavras da sinopse:

"Uma terra abençoada! É um Brasil que nasce de homens bem-aventurados, de uma história de dores e de alegrias, que gera um povo miscigenado, criativo e crente no que se tem de mais valor: o poder dos deuses. Seres iluminados, supremos, espirituais ou materiais, sagrados ou profanos, divinos de um Brasil de todos os Deuses.

Brilha! A Coroa da Imperatriz Leopoldinense às coroas das divindades... Despertamos da imensidão do nosso Brasil, do "realismo mágico" do Reino de Tupã à nossa criação.

Povoado pelo consciente imaginário dos índios brasileiros - os donos da terra; ressoam das matas cantos, louvores, ritos, rancores, paixão e fé. No enredo do meu samba, Tupã é um Deus, genuinamente, "brasileiro". Ele é a força divina, como no mito guarani da criação, que desce à terra personificado em um manto de luz e cor e cultuado como Deus do Carnaval. É Tupã que une e apresenta os elementos constitutivos das religiões brasileiras e o fenômeno religioso universal do Homem, que crê em Deus, em Olorum, em El, em Alá, em Maomé, em Jeová, em Buda, em Brahma, ou seja, em um Ser Superior.

Tupã, de seu trono, tudo vê. No século XVI, treze caravelas de origem portuguesa aportam em terras brasileiras. À primeira vista, tais navegadores, cumprindo um contrato religioso, acreditam tratar-se de um grande monte e chamam-no de Monte Pascoal. Realizam, em 26 de abril de 1500, a primeira missa no Brasil. Desde então, as atitudes e imposições dos homens brancos aos filhos de Tupã, e até mesmo aos negros africanos que, posteriormente, viriam para além-mar na condição de escravos, cultuou-se o cristianismo. A cruz marca o testemunho de fé desses navegadores portugueses, que reconhecem Cristo como "Deus Homem" ou como a encarnação de Deus.

Assim, a fé cristã é difundida, chegam as catequeses e a lavoura e, com elas, a exploração do Novo Mundo, desvendado por Seu Cabral.

O sopro forte de Tupã vai nos mostrando a nossa formação. Criam-se doutrinas, estórias, mitos e lendas. Sob a inviolável fé cristã, vindos da África Ocidental, os negros africanos trazem, além da dor da escravidão, suas crenças, suas divindades, suas lembranças... de um ritual chamado N?Golo, praticado nas aldeias do sul de Angola, à época do rito da puberdade - que representava a passagem de moça para a condição de mulher. Também aporta, com os negros africanos, o culto aos Orixás - que atuam como intermediários entre o mundo terrestre e o Deus Negro - chamado Olorum ou Olodumaré, o Princípio Criador.

O Brasil transcende a um princípio de unidade geral: negros, índios e europeus ganham um só corpo, viram uma só gente, abençoada pelos "deuses brasileiros". É o despertar poético de uma ardente nação, uma nação, que perante os olhos de Tupã, vê navegar sobre seus mares, navios a vapor trazendo homens, mulheres, velhos e crianças (1870-1930) à nova terra.

A viagem marca para sempre a vida dos imigrantes europeus, asiáticos, indianos, americanos, entre outros. Partir assinala o encerramento da origem da sua existência, sublinhado pelo traço genérico comum de ansiedade, estranheza, expectativa da chegada e a reconstrução de uma nova vida em outro país. Até que o processo de imigração viesse a se concretizar, fatos como a visão etnocêntrica (dos nacionais) e a autopercepção do imigrante como estrangeiro contribuíram para reforçar os laços de grupo, os laços familiares e, sobretudo, os laços religiosos.

As tradições religiosas dos imigrantes no Brasil fundiram-se a nossa brasilidade. Dos bairros étnicos, judeus, árabes, ortodoxos, japoneses budistas ou xintoístas, alemães protestantes, e até indianos hare krishnas, com suas formas de linguagens, expressões diretas e atuantes, preservam seus mistérios e cultuam seus deuses...

Do Judaísmo: "um velho pastor, cansado da fome e da seca, certa vez ouviu uma voz a dizer: Parte da tua terra. Era o Senhor, que propôs guiar aquele homem até um lugar abençoado, onde água e comida nunca faltariam. Em troca, ele deveria adorá-Lo como o único Deus e espalhar pelo mundo uma mensagem de justiça. A proposta era arriscada numa época em que reis exploravam o trabalho de camponeses, invasores ameaçavam cidades-estado e os povos, em busca de proteção, veneravam várias divindades. Mesmo assim, o pastor aceitou o acordo. E foi recompensado por isso. Seu nome era Abraão. Ele sobreviveu a guerras, catástrofes naturais, perseguições. E seus descendentes foram guiados numa longa jornada rumo a Canaã - a Terra Prometida" (Revista Superinteressante, março 2009).

A narrativa da aliança entre Deus e Abraão é uma das mais conhecidas da tradição judaico-cristã e, embora nunca tenha sido confirmada historicamente, pode explicar como surgiu a primeira grande religião monoteísta, o Judaísmo.



Do Budismo: a essência do pensamento budista focado nas Quatro Nobres Verdades:

1º dor (a vida é cheia de dor);
2º a origem da dor (a dor provém do desejo de experiências sensoriais);
3º sobre a superação da dor (atingir o estágio de nirvana); e
4º o caminho que leva à superação do desejo (o desejo apaga-se quando se segue o "Meio-Caminho", o sagrado caminho das regras da vida): a pureza da fé; da vontade; da ação; dos meios de existência; da atenção; da memória; e da meditação.

Uma filosofia espiritualista de vida baseada integralmente nos profundos ensinamentos do Buda para todos os seres, que revela a verdadeira face da vida e do universo.

Do Islamismo: a religião que mais cresce no mundo contemporâneo nasceu na Península Arábica a partir da reflexão de Maomé em torno da multiplicidade de deuses existentes nas tribos da própria península, assim como das religiões petrificadas e presas no formalismo ritualístico, sem a vivificação espiritual desejada e desejável, como o cristianismo ortodoxo grego, o cristianismo romano e o judaísmo.

Nos treze séculos que se passaram de sua gênese, a religião congrega hoje mais de 800 milhões de adeptos, unidos pelo sentimento profundo de pertencimento a uma só comunidade. E essa expansão, que continua, é, principalmente, em virtude de um espírito de universalidade que transcende qualquer distinção de raça e permite a cada povo se integrar no Islã, mas, ao mesmo tempo, conservar sua cultura própria.

Do Hinduísmo: uma intersecção de valores, filosofias e crenças, derivadas de diferentes povos e culturas.

Tem sua origem pelo ano de 1500 a.C. Nasceu a partir dos elementos religiosos dos vencedores (arianos) e vencidos (os autóctones). Provém da experiência humana. Consiste na investigação das profundezas da alma, na reflexão sobre si mesmo, da preocupação em não deixar escapar nada de experiência.

O credo fundamental do Hinduísmo é o da existência de um espírito Universal chamado Brahma (alma do mundo). Essa alma do mundo, também chamada de Trimurti, o Deus Trino e Uno, tem esse nome porque acreditavam que ela era: 1. Brahma, o Criador; 2. Vishnu (Krishna), o Conservador; 3. Shiva, o Destruidor.

A religião hindu acredita ainda em muitos deuses. Existem cerca de 33 milhões de deuses. Os sacerdotes hindus afirmam que são apenas representações de diferentes atributos de Brahma ou nomes do mesmo Deus.

No destino imaginário da humanidade celebram a vida e percorrem o caminho da verdade. Todos de braços dados e peito aberto em um convívio fraterno, sem ódio nem rancor, da passarela do samba mostram pro mundo que a união entre as crenças é um ato de amor...

Entre o sagrado e o profano, Brasil de todos os Deuses é a devoção de cada religião, é a celebração das festas religiosas. Da Festa do Divino, que tem origem nas comemorações portuguesas a partir do século XIV e que no Brasil é marcada pela esperança de uma nova era para o mundo dos homens, com igualdade, prosperidade e boa colheita. Do Reisado, da festa do negro que se faz no Congado, da Cavalhada - a histórica batalha entre cristãos e mouros, das romarias e dos beatos e sua peregrinação pelos caminhos da fé.

De um Brasil que vive em harmonia, onde deus paga, onde deus cria e convive com o povo brasileiro no seu dia-a-dia:

Deus lhe pague!
Deus lhe abençoe!
Deus é o vosso Pai,
Deus é o vosso guia...

Vai com Deus!
Deus é amor.
Graças a Deus!
Deus é meu pastor.

O encanto toma conta do espírito de Tupã que abençoa o Brasil como o templo da união de todas as crenças. Das matas indígenas ao cristianismo, dos cultos afros às manifestações religiosas, dos imigrantes, da festa da fé ao povo brasileiro. A Imperatriz Leopoldinense é o templo do Brasil, é o Brasil de todos os Deuses - um poema épico, erguido ao longo da nossa história, que pede passagem para contar em "canto e oração" a ação sociocultural de todas as religiões nesse encontro mágico e poético chamado Carnaval.

Ideia Original e Carnavalesco: Max Lopes

Pesquisa e texto: Marcos Roza

ESTRUTURA DE APRESENTAÇÃO DO ENREDO

"BRASIL DE TODOS OS DEUSES"

ABERTURA - A COROA DAS DIVINDADES
2º SETOR - A TERRA DE TUPÃ
3º SETOR - A VINDA DA FÉ CRISTÃ
4º SETOR - O CULTO NEGRO
TRIPÉS - JUDAÍSMO
5º SETOR - BUDISMO
6º SETOR - ISLAMISMO
7º SETOR - HINDUÍSMO
8º SETOR - BRASIL: TEMPLO DE UNIÃO"


(Fonte: Galeria do Samba)


A disputa de samba foi acompanhada com entusiasmo pelos gresilenses das listas de discussão das quais participo, que "abraçaram" o samba da parceria de Jefferson lima, Guga, Flavinho, Gil Branco e Me Leva. Os comentários eram de que este era o grande samba da escola em muitos anos, e também o grande samba do carnaval caso fosse escolhido.

A diretoria atendeu ao clamor de sua comunidade e resolveu levar este samba para a avenida. Ele se sagrou vencedor e tinha um andamento mais lento que o observado nos recentes desfiles, a fim de valorizar a bela melodia.

Em minha opinião particular, sem dúvida alguma era um bom samba, mas inferior ao do Império Serrano sobre o mesmo tema - e a outro que chegou à finalíssima da escola da Serrinha no referido ano. Também achava inferior aos sambas da Vila Isabel - que tratei aqui na coluna anterior - e ao da Mangueira.


Outra questão que preocupava quem gostava de carnaval era o carro de som da escola. Quem acompanha o desfile sabe que, a despeito de sua bela história, o puxador Dominguinhos do Estácio há tempos que se resume a fazer "cacos" durante o desfile, sem propriamente cantar o samba..

Completando o quadro, os intérpretes de apoio da escola eram questionados até mesmo por seus próprios torcedores e componentes da comunidade gresilense. O quadro se agravou com a saída próxima do carnaval do segundo intérprete, devido a declarações dadas em um dos espaços mais lidos de samba na internet.


A Imperatriz Leopoldinense era a segunda escola a pisar na Marquês de Sapucaí na noite de domingo de carnaval, 14 de fevereiro.

Talvez desacostumada com o posicionamento de desfile - onde a armação é feita diretamente na concentração - a escola teve problemas em sua preparação para o desfile. Os carros alegóricos foram amontoados no início e houve muita dificuldade para as alas se prepararem adequadamente.

Os tripés do abre-alas, com uma concepção errada - o maior peso estava todo na frente - andavam de forma lenta e com dificuldade para se mater em linha reta. Quando o samba começou a ser cantado a escola ainda estava na Presidente Vargas, longe do Setor 1.

Para completar o quadro, as fantasias estavam bem maiores que o padrão habitual da escola e isto prejudicou bastante a evolução da Imperatriz. A escola, que tinha feito bons ensaios técnicos, passou apática.

Finalizando os problemas que a escola enfrentou, o carro de som simplesmente não conseguiu dar ao samba o desempenho que dele se esperava, com uma performance sofrível. A bateria no início do desfile também rateou, embora tenha acertado o passo na sequência.


Com a lentidão provocada pelo atraso do abre alas e sua lenta evolução dos tripés, a escola teve problemas de evolução e precisou correr desesperadamente ao final para cumprir o tempo máximo de 82 minutos de desfile.

Com todos estes problemas, a escola alcançou a oitava colocação na abertura das notas, um resultado bem aquém do esperado. Entretanto, o samba ainda conquistou o Estandarte de Ouro, a despeito de seu desempenho apenas mediano na avenida. Em minha opinião a Mangueira seria um vencedor mais justo deste prêmio, mas não dá para se dizer que foi um equívoco do júri.

Vamos ao samba e, ao final, um vídeo do início do desfile - que mostra a exata posição onde eu estava.

"Terra abençoada!
Morada divinal
Brilha a coroa sagrada
Reina Tupã, no carnaval...
Viu nascer a devoção em cada amanhecer
Viu brilhar a imensidão de cada olhar
Num país da cor da miscigenação
De tanto deus, tanta religião
Pro povo, feliz, cultuar

O índio dançou, em adoração
O branco rezou na cruz do cristão
O negro louvou os seus orixás
A luz de deus é a chama da paz

E sob as bênçãos do céu
E o véu do luar
Navegaram imigrantes
De tão distante, pra semear
Traços de tradições, laços das religiões
Oh, deus pai! Iluminai o novo dia
Guiai ao divino destino
Seus peregrinos em harmonia
A fé enche a vida de esperança
Na infinita aliança
Traz confiança ao caminhar
E a gente romeira, valente e festeira
Segue a acreditar...

A Imperatriz é um mar de fiéis
No altar do samba, em oração
É o Brasil de todos os deuses!
De paz, amor e união..."
 


(Fotos e vídeo: Fabrício Gomes)

terça-feira, 4 de maio de 2010

Samba de Terça - "Noel, a Presença do Poeta da Vila"


Após um intervalo, a nossa coluna "Samba de Terça" está de volta. Por enquanto com frequência quinzenal, quando estivermos mais perto do carnaval de 2011 voltaremos a falar semanalmente.

Reinicio a série com uma samba que ainda está "fresquinho" na cabeça dos leitores: Unidos de Vila Isabel 2010, "Noel, a Presença do Poeta da Vila".

A escola do bairro da Zona Norte carioca foi bastante badalada antes do desfile. Seu enredo seria o centenário de Noel Rosa, sambista e compositor dos maiores da história do samba e da música popular brasileira, "cria" do bairro.

O enredo era de autoria do carnavalesco Alex de Souza, do historiador Alex Varela e do grande compositor Martinho da Vila. Reproduzo a sinopse abaixo:


"1910. Ano marcado por grandes transformações, prenunciadas com a passagem do Cometa de Halley. Entre outros fatos: a Revolta da Chibata, liderada pelo "Almirante Negro", João Cândido, cujo motim ameaçou bombardear o Rio de Janeiro, e o nascimento de Noël de Medeiros Rosa, popularmente conhecido como Noël Rosa, em 11 de dezembro. A partir desse dia, a música popular brasileira nunca mais seria a mesma.

O pai era um amante da cultura francesa. Pela proximidade das festas natalinas deu ao filho o nome de Noël, termo que equivale a Natal entre os franceses. Também era tradição no bairro de Vila Isabel, no período natalino, passar o rancho, quando todos iam ouvir o canto das "Pastorinhas". 

Desde sua infância, Noël se revelava irreverente. Ele era da rua. Na escola, gostava das piadas proibidas e das brincadeiras obscenas. Começou estudando numa escola pública, e, depois se transferiu para o tradicional São Bento, onde imperava os rigores educacionais. A rua e os seus tipos eram a sua grande paixão. "Poeta-cronista" da cidade; cidade que cabia em Vila Isabel. Bairro síntese dos personagens cariocas: os pequenos burgueses, o bicheiro, os malandros, o seresteiro, o sinuqueiro, o cartiador, o mendigo, o vigarista, o proxeneta, o valentão, entre tantos outros. 

Noël preferia a luz das estrelas à luz solar. Ele acompanhava os cantores da madrugada com o seu inseparável violão. Ficou conhecido pelo bairro. No ano de 1929, um grupo formado por jovens de classe média do conjunto musical Flor do Tempo o convidou para formar um novo grupo: o Bando dos Tangarás, grupo composto por Almirante, Braguinha, Henrique Brito e Alvinho. O conjunto se dedicou à moda da época: a música nordestina; emboladas; sambas com tempero do Nordeste; embora, seus trajes e seus sotaques mais pareciam de caipiras. A indústria e o comércio fonográfico cresciam bastante no Rio de Janeiro, quando foram convidados para gravar pela Parlophon, subsidiária da Odeon.

A inserção no Bando dos Tangarás abriu o caminho para Noël iniciar sua carreira como compositor popular. Ainda em 1929, ele escreveu a sua primeira composição, uma embolada, intitulada "Minha Viola".

Noël Rosa tinha grande admiração por Sinhô, frequentador assíduo da Casa da Tia Ciata, localizada na Praça Onze, onde os batuques do samba, influenciados pelo maxixe, ecoavam livremente. O "Poeta da Vila", contudo, se integrou a outro tipo de samba, que veio do bairro do Estácio, onde vivia Ismael Silva, e se espalhou pelos morros da cidade como o Salgueiro, Mangueira, Favela, Saúde, Macacos. Noël subiu ao morro e se integrou aos sambista que lá viviam. E compôs com algum deles, como Cartola, do Morro da Mangueira, e Canuto e Antenor Gargalhada, do Salgueiro. O "poeta" e Franscisco Alvez (que juntos fizeram parceria no grupo "Ases do Samba") foram os maiores responsáveis pela consagração de diversos compositores negros de samba. 

Este tipo de samba que veio do Estácio, mais marcheado e acompanhado por instrumentos de percussão, era aquele tocado nos blocos, como o "Deixa Falar", que deu origem a primeira "Escola de Samba". No carnaval de Vila Isabel havia dois blocos: o Cara de Vaca, organizado, com componentes selecionados e cercados por um cordão de isolamento, e o Faz Vergonha, composto por populares e com sambas improvisados, do qual fazia parte Noël Rosa. As batalhas de confete no Boulevard eram o ponto alto do desfile de blocos.

Desde a adolescência, Noël adorava a serenata e serestas. O local favorito das noitadas era o cruzamento do Ponto dos Cem Réis, em Vila Isabel, onde os bondes "mudavam de seção". Ponto de botequins e esquinas. Era ali que se reunia com os amigos e tomava sua cerveja preferida, a Cascatinha. No Café Vila Isabel, ele compôs a maior parte das suas composições. De bar em bar, em "Conversa de Botequim", e de amores em amores, como o que sentia por Fina, para quem fez os "Três Apitos", teceu suas canções. Frequentava também os prostíbulos do Mangue, e era facinado pelos malandros, homens que exploravam as mulheres, minas ou mariposas, e viviam da jogatina. Na Lapa chegou a conhecer o famoso Madame Satã, como também Ceci, a sua "Dama do Caberé".

O ano de 1930 mudou a história do Brasil e a vida de Noël Rosa. Na política nacional, Getúlio Vargas assumiu a presidência do país por meio da chamada Revolução de 30. Nosso "Poeta" gravou o seu primeiro samba de história: "Com que Roupa?", que fazia alusão de forma humorada a um Brasil de tanga, ilhado em pobreza, a fome e a miséria alastrando-se como praga, consequencia imediata da crise da bolsa de Nova York que abalou o mundo inteiro. O samba conquistou a cidade. A composição de sucesso passou a integrar o programa de diversas peças do teatro de Revista, todas encenadas nos palcos da Praça Tiradentes, que vivia dias de fulgor e esplendor. No mesmo ano conseguiu ser aprovado no vestibular para a Faculdade de Medicina. Contudo, ficou insatisfeito com o curso e abandonou-o. Ainda assim, compôs "Coração", conhecido como um "samba anatômico". O "novo regime" de Vargas e suas medidas governamentais também não passariam desapercebidas pelo compositor, ganhando tons de críticas bem humoradas nas letras de alguns de seus sambas como "O Pulo da Hora" ou "Que Horas São?" sobre a criação do horário de verão; "Psilone" composto em função da nova reforma ortográfica; "Samba da Boa Vontade", sobre o pedido de Vargas aos brasileiros para manter o sorriso, mesmo num momento de crise; e, ainda "Tenentes ... do Diabo", samba jocoso quanto aos tenentes getulistas, rivais dos "Democratas".

No começo de 1934, teve o início a famosa polêmica envolvendo os compositores Noël Rosa e Wilson Batista. Este último compôs "Lenço no Pescoço". Noël rebateu com "Rapas Folgado". Em resposta, Wilson compôs "Mocinho da Vila". Ainda no mesmo ano, no período da primavera, Noël compôs "Feitiço da Vila", uma homenagem para a rainha primaveril de Vila Isabel, Lela Casatle. Samba que colocou Noël em evidência, uma vez que o Brasil inteiro cantou a composição. A polêmica deu uma trégua e reacendeu no ano seguinte. O sucesso do "Filósofo do Samba" incomodou Wilson Batista, que gravou "Conversa Fiada". Noël reagiu com "Palpite Infeliz". Wilson respondeu com dois novos sambas: "Frankstein da Vila" e "Terra de Cego".

Os anos trinta foram a chamada Era do Rádio, consagrada com a criação da Rádio Nacional. Em pouco tempo, o país inteiro ouviria suas rádio-novelas, seus programas de auditório e viria surgir muitas estrelas da nossa música, as chamadas cantoras do rádio. Marília Baptista e Araçy de Almeida foram as maiores intérpretes das canções de Noël. Este também atuou no rádio. No Programa do Casé, de Adhemar Casé, na Rádio Philips, Noel cantava e trabalhava como contra-regra. E, em 1935, Almirante conseguiu-lhe na Rádio Clube do Brasil, trabalhando como libretista no programa "Como se as óperas célebres do mundo houvessem nascido aqui no Rio". Escreveu o libreto da ópera "O Barbeiro de Niterói" uma paródia ao "Barbeiro de Sevilha". Fez também as revistas radiofônicas "Ladrão de Galinhas" e a "Noiva do Condutor". As composições de Noël também foram utilizadas no cinema. Em Alô, Alô, Carnaval (1936), compôs "Pierrot Apaixonado", em parceria com Heitor dos Prazeres. Para o filme Cidade Mulher (1936), ele compôs seis músicas, dentre as quais "Tarzan, Filho do Alfaiate", em parceria com Vadico.

No ano de 1937, os céus do Brasil foram atravessados pelo cometa de Hermes. Os cometas inspiraram durante milênios profundos temores na humanidade, que os considerava sinais divinos de maus presságios. O medo persistia. Foi assim com o cometa de Halley naquele ano de 1910 e voltou a ser vinte sete anos depois. E, de fato, realmente foi. Na noite do dia 04 de maio, no mesmo chalé onde nasceu na rua Teodoro da Silva, em Vila Isabel, faleceu, acometido pelo "mal do século"

Da mesma forma que nasceu num ano turbulento, Noël disse "Adeus" num ano de grandes transformações, cumprindo assim um ciclo de mudanças. Ele mudou a história da música popular brasileira. As serestas e serenatas não seriam mais as mesmas sem a sua presença. Uma outra "Festa no Céu" faria ele entre anjos e arcanjos. Para sua felicidade, não viu a instalação do Estado Novo, com seu caráter repressivo e censurador, nem mesmo a chegada do "Tio Sam". Não viu também a vida boêmia da Lapa se substituída pelas boates chiques de Copacabana, onde Aracy de Almeida, o imortalizou. Também não teve o prazer de ver a fundação do GRES Unidos de Vila Isabel, Agremiação carnavalesca do bairro que tanto cantou. No firmamento do samba, assim como a estrela Dalva, a estrela de Noël, finalmente, no céu despontou e jamais se apagou. Foi o seu "Último Desejo". Por isso, cantamos: "Quem nasce lá na Vila, nem sequer vacila, ao abraçar o samba". Saudades de ti, Noël!!! 

Carnavalesco: Alex de Souza

Autores do Enredo: Alex de Souza, Alex Varela (historiador) e Martinho da Vila

Redação do Texto da Sinopse: Alex Varela"



A disputa para a escolha do samba foi recheada de polêmicas. Primeiro o presidente da escola anunciou que não haveria disputa e Martinho da Vila faria o samba. Depois que haveria uma parceria entre Martinho e André Diniz, os dois maiores vencedores de sambas enredo da história da escola.

No fim acabou havendo o concurso tradicional, mas com fortes suspeitas de que já haveria um resultado antes mesmo de seu início.

Ainda tem mais. O samba de Martinho, que se sagrou vencedor, é muito semelhante a uma outra composição do artista, em parceria com Gracia do Salgueiro. Disponibilizo abaixo a letra:

"Se um dia
A boemia me chamasse
Com saudade e perguntasse
Por onde anda Noel
Com o meu sorriso responderia
O autor de "Filosofia"
Anda na terra e no céu
Eu não sambei com Noel
Com ele eu não cantei
Porém um dia sonhei
Que eu era o seu menestrel
Eu não bebi com Noel
Eu não vivi com Noel
Mas sei que ele está presente
Com a gente em Vila Isabel
E na avenida
Se me vêem como espelho
Eu sou o seu aparelho
Num transe de carnaval
E a fantasia que se usa
Já tem os tons de lá do céu
Que são as cores
Da nossa Vila Isabel"

Veremos abaixo que a primeira parte do samba enredo tem, sim, uma letra muito semelhante a esta. Para completar a polêmica, existe uma lenda (jamais confirmada) que conta a "Presença de (André) Diniz" no samba após a vitória no concurso - o vitorioso e talentoso compositor teria "arrumado" a melodia do samba para torná-lo mais apropriado ao desfile.


Polêmicas à parte, era um belo samba, muito bem gravado no CD pelo puxador Tinga. Aqueles que discordam dos rumos que o samba de enredo vem tomando, entre os quais me incluo, torciam para que o samba fosse bem na avenida e mudasse o paradigma vigente atualmente, de "dez versos, refrão do meio com quatro, segunda parte também com dez versos e refrão final explosivo com mais quatro versos".

Havia uma grande expectativa para o desempenho do samba na noite de 15 de fevereiro, segunda feira de carnaval. A escola pisaria a passarela como a quinta e penúltima a desfilar.

Entretanto, preciso fazer um parêntese antes de continuar. Tal qual a Portela, o Império Serrano e a Mangueira, a Vila é uma escola que tem muita resistência a Mestres de Bateria vindos de fora da escola. E a grande atração da escola era a troca no comando da bateria, com Mestre Átila, premiadíssimo no Império Serrano. E...

A escola pisou na avenida como grande favorita. O samba, aclamado.

Mas dois fatores arrasaram o desempenho do samba e, por tabela, o da escola.

O primeiro foi uma falha no som que impedia a captação correta dos instrumentos da bateria e dos puxadores e que alterou totalmente a cadência do mesmo para os espectadores e os desfilantes.


O segundo... 

Bom, o segundo fator foi o desempenho lamentável da bateria, que desde o seu "esquenta" estava bastante estranha. Embolava, atravessava e se percebia claramente descompasso entre as peças "grandes" e as "pequenas".

A minha sensação no ponto onde eu estava (Setor 3, início da pista) era de que o surdo que faz a marcação para os microfones - o chamado "guia" - estava totalmente atravessado.

Em suma, a bateria foi uma lástima. A ponto de Mestre Átila fazer duas "paradinhas" seguidas em frente ao ponto da pista onde eu estava para ver se conseguia acertar o ritmo. Para quem não conhece, as paradinhas são recursos que visam abrilhantar o desfile de uma escola, mas também podem ser utilizadas para corrigir erros da bateria - algo como "parar para começar de novo".

Mas nem este recurso deu jeito. Lógico que estas coisas são muito difíceis de se provar, mas minha hipótese é de que tenha sido algum tipo de "inconformismo" pela vinda de um Mestre de fora da escola - em português claro, sabotagem. Entretanto, são apenas hipóteses.

O certo é que mesmo em um andamento excessivamente exagerado e que inibiu o efeito da bela melodia, o samba ainda salvou as notas máximas. A bateria foi bastante penalizada nas notas mas assim mesmo ainda a escola salvou um quarto lugar no resultado final.

Vamos à letra do samba e, abaixo, um vídeo do desfile da escola.

"Se um dia na orgia me chamassem
Com saudades perguntassem
Por onde anda Noel
Com toda minha fé responderia
Vaga na noite e no dia
Vive na terra e no céu
Seus sambas muito curti
Com a cabeça ao léu
Sua presença senti
No ar de Vila Isabel
Com o sedutor não bebi
Nem fui com ele a bordel
Mas sei que está presente
Com a gente neste laurel

Veio ao planeta com os auspícios de um cometa
Naquele ano da Revolta da Chibata
A sua vida foi de notas musicais
Seus lindos sambas animavam carnavais
Brincava em blocos com boêmios e mulatas
Subia morros sem preconceitos sociais

Foi um grande chororô
Quando o gênio descansou
Todo o samba lamentou
Ô ô ô
Que enorme dissabor
Foi-se o nosso professor
A Lindaura soluçou
E a Dama do Cabaré não dançou
Fez a passagem pro espaço sideral
Mas está vivo neste nosso carnaval
Também presentes Cartola
Araci e os Tangarás
Lamartine, Ismael e outros mais
E a fantasia que se usa
Pra sambar com o menestrel

Tem a energia da nossa Vila Isabel"

Reparem na estrutura bem diferente do samba, com apenas um - e longo - refrão.



Na próxima coluna, outro samba de 2010 que sofreu com questões exógenas a ele: Imperatriz Leopoldinense.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Áudios e Vídeos


O amigo Fabrício Gomes, titular da coluna "Cacique de Ramos" deste blog gravou alguns vídeos dos desfiles de 2010 dos Grupos Esecial e Acesso A.

Eu transformei os vídeos em áudios no formato MP3 e coloco aqui disponíveis para quem quiser ouvir. São gravações feitas das frisas - para o sábado do Acesso - e da arquibancada do Setor 3 para o Grupo Especial.

Os áudios são interessantes em especial para quem gosta das diversas nuances de bateria, bem como aqueles admiradores de "esquentas" das escolas - há União da Ilha, Portela, Viradouro e Mocidade entre eles.

Obviamente há algum vazamento de ruídos - inclusive a voz que se ouve em algumas faixas é a minha... Mas não compromete nem de perto a audição. Também não há áudios de todas as escolas.

Basta clicar nos links abaixo para obter os áudios:


Foto da Renascer de Jacarepaguá, campeã moral da palhaçada que foi o resultado deste grupo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sobre a Portela - II



Bom, pelo menos aqueles que leram o tópico anterior sobre o desfile da Portela de 2010 devem saber o quanto ele foi desastroso.

Quero aqui colocar alguns pontos para reflexão.



A diretoria atual da escola, que assumiu em meados de 2004, obteve sem dúvida alguma diversos progressos em relação à administração anterior: hoje temos um bom puxador, uma bateria Estandarte de Ouro, um trabalho de comunidade bem feito, um bom casal de mestre sala e porta bandeira e a escola recebeu o retorno em suas classificações desde então.

Entretanto, a Portela hoje padece com quatro questões sérias.

Uma é a escolha de enredos. A escola simplesmente jogou no lixo todas as suas tradições, optando por enredos politicamente corretos e de exaltação ao governo - com a honrosa exceção de 2009. Parece que os temas são anunciados visando a arrancar o maior patrocínio possível de alguma esfera governamental, não observando a gloriosa história portelense.

A segunda são os sambas escolhidos. Desde 2008 que sempre a mesma parceria é escolhida, o que desestimula aos outros compositores apresentarem obras dignas de serem levadas à avenida. Ressalto que, apesar de frios, os sambas desta parceria permitem ao desfilante cantar o samba sem cansar - mas lá se vão 11 anos sem Estandarte de Ouro de melhor samba de enredo...

Terceiro: a contratação de carnavalescos de ponta. A direção da Portela prefere pegar carnavalescos no Acesso B, pagando pouco, a contratar nomes talentosos e de peso. O resultado são concepções muitas das vezes equivocadas.

Quarto e principal: a escola só inicia o barracão com atraso. Não há o menor planejamento de carnaval, o barracão é iniciado com atraso e sempre os carros, fracos, são concluídos às carreiras - o que, apesar do "chão", acaba impedindo a conquista do sonhado título.

Além destes fatores, a Majestade do Samba sofre com o problema da centralização das decisões nas mãos de seu presidente.

A Portela terá eleições entre abril e maio, já um pouco tarde para corrigir parte destas questões visando ao carnaval de 2011. Mas tendo a votar na oposição - sou sócio com direito a voto.

Mas vamos ver as chapas disponíveis, até porque, pelo estatuto, o atual presidente não pode se candidatar.

Chiquinho do Babado, prestações de contas esquisitas e suspeitas variadas


Chiquinho do Babado (foto) é, hoje, o maior fornecedor de material de carnaval às escolas de samba do Rio de Janeiro.

Reproduzo, com autorização de um dos autores, matéria do jornal O Globo do domingo de carnaval que questiona os números das prestações de contas de algumas escolas e o relacionamento destas com a empresa em questão.

Apenas para explicar aos leitores, as escolas de samba recebem valores de diversas fontes:

1) Da subvenção da prefeitura;
2) De valores subvencionados pelo Governo do Estado;
3) Repasses feitos pelo Governo Federal via estatais;
4) repasses da venda de ingressos;
5) repasse da cota de televisão;
6) Parte referente à venda de CDs;
7) receitas de patrocínios;

O assunto abordado na matéria são as prestações de contas determinadas pela Prefeitura, que possuem, segundo o publicado, várias incoerências. Há suspeitas de crimes como evasão fiscal e lavagem de dinheiro.

Vamos ao excelente texto:

"O barão do carnaval

Comerciante fica com metade da subvenção paga pela prefeitura às escolas do Grupo Especial

Chico Otavio e Aloy Jupiara

A cabeça descarnada de alce que orna a parede, no fundo da loja, contrasta com o colorido de tecidos, plumas e outras mercadorias de carnaval. Jorge Francisco, o proprietário, tem uma explicação para o adorno singular.

— Cliente caloteiro vai parar ali — diz, apontando para a carcaça de chifres enormes.

No mundo do samba, Jorge Francisco é Chiquinho do Babado, dono da cadeia de lojas Babado da Folia. Sua desenvoltura é tão grande nas quadras e nos barracões que os carnavalescos, principais clientes, nem se importam com a brincadeira com o alce e a inevitável alusão às preferências sexuais de alguns. Eles sabem que Chiquinho é um cara do babado. A análise da prestação de contas das escolas de samba, relativa ao contrato de prestação de serviços (antiga subvenção) celebrado no desfile de 2009, transforma esse ex-vendedor de pastéis de Padre Miguel num barão do carnaval. Dos R$4,2 milhões despejados naquele ano pela prefeitura nos cofres das escolas (excluídos ISS e a taxa de administração paga à Liga das Escolas de Samba), suas lojas ficaram, sozinhas, com R$2 milhões.

Jorge Francisco é também um cara do babado no banco de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligência do Ministério da Fazenda. Ele aparece na lista de pessoas físicas e jurídicas que fizeram saques anormais em dinheiro vivo (valores elevados), na boca do caixa, das contas das escolas de samba. Para investigadores desse tipo de atividade, os saques podem ser indício de lavagem de dinheiro.

A subvenção ou contraprestação do carnaval, espécie de cachê pago pela prefeitura às escolas para fazer o espetáculo, por ser dinheiro público (diferentemente de outras receitas da Passarela do Samba), obriga os favorecidos a justificar os gastos. Em 2009, cada escola recebeu R$400 mil, mas prestou contas de R$361 mil, por destinar 5% à liga, como taxa administrativa, e mais 5% ao recolhimento de ISS.

Frente ao conjunto de recursos que engorda as escolas do Grupo Especial, proveniente de venda de ingressos, publicidade, ajuda pública e direitos de transmissão, R$361 mil não representam tanto. Mas um exame das notas fiscais arquivadas na sede da Riotur escancara a falta de intimidade das agremiações com as obrigações contábeis. Com uma diferença de apenas um real, as prestações de contas da Beija-Flor de Nilópolis e da Unidos do Porto da Pedra em 2009, por exemplo, foram iguais.

Pelas notas fiscais apresentadas à Riotur, a Beija-Flor gastou R$50 mil na Casa João Gandelman Armarinho, R$99.999 na J.F. 300 Comércio e Confecções de Enfeites, R$50 mil na O.M.F. Confecção e Comércio de Enfeites e R$162 mil na Ferreira Santos Confecções e Comércio de Enfeites. Já a Porto da Pedra declarou ter gastado R$50 mil na João Gandelman, R$100 mil na J.F. 300 (um real a mais do que a Beija-Flor), R$50 mil na O.M.F. e R$162 mil na Ferreira Santos. Outro detalhe une as duas escolas: as quatro empresas pertencem a Chiquinho, o que o torna fornecedor único de ambas.

Das 12 escolas do Grupo Especial, cinco tiveram Chiquinho, pelo menos nas despesas pagas com a subvenção da Riotur, como fornecedor exclusivo ou majoritário. Além da Beija-Flor e da Porto da Pedra, integram a lista a Vila Isabel (100% das compras), Mocidade (70%) e Império Serrano (58%). Em outras três, ele foi o maior recebedor: Mangueira (36%), Unidos da Tijuca (28%) e Salgueiro (28%).

As despesas restantes das agremiações que não compraram exclusivamente com Chiquinho são picadas — ao contrário do que se verifica nas notas da rede Babado da Folia (nome de fantasia das lojas do comerciante). Nelas, os preços cobrados por tecidos, miçangas, paetês e centenas de outros produtos são sempre redondos, como os R$100 mil que encabeçam os gastos do Salgueiro, numa relação de despesas na qual o valor de Chiquinho é único recheado de zeros.

O comerciante, contudo, desconversa quando é provocado a falar sobre o fornecimento exclusivo:

— Não sei se sou o maior. Temos uma fatia do mercado. Os colegas que tenho nas escolas facilitam o trabalho. Além de vender, presto assessoria a eles também.

Como a liga e as escolas já ficam com 93% da arrecadação com a venda de ingressos (receita de R$41 milhões só no ano passado), fora a publicidade e outras fontes de recursos, duas ações civis públicas movidas pelos promotores de Tutela Coletiva, referentes aos carnavais de 2007, 2008 e 2009, classificam a contraprestação (subvenção) às escolas como dupla remuneração, portanto ilegal. Eles concluem que os contratos da prefeitura com a liga "estariam ensejando o enriquecimento sem causa da referida agremiação".
Chiquinho do Babado já esteve do outro lado do balcão. Como chefe do barracão da Mocidade, escola onde passou 20 anos, era o responsável pelas compras de carnaval. Ele alega que, na época, percebeu o descompasso entre as necessidade das agremiações e o material oferecido pelas lojas especializadas, razão pela qual resolveu mudar de lado:

— Sentia um vácuo. Os fornecedores não acompanhavam a evolução das escolas.

Jorge Francisco era ainda o Chiquinho do Pastel, por vender o quitute nos campos de várzea da região, quando chegou à Mocidade, junto com Castor de Andrade, em 1974. Naquele ano, o carnavalesco Arlindo Rodrigues apresentou enredo "A festa do Divino", dando à escola um promissor quinto lugar.

Pela força física e a experiência então recente no Exército — servira no Regimento de Cavalaria Andrade Neves —, ele foi encarregado por Castor de cuidar da portaria da quadra. Aos poucos, Chiquinho foi galgando postos e conquistando a confiança do chefe, até chegar ao comando do barracão, cargo que hoje compara ao de diretor de Carnaval, estratégico para a escola:

— Antes de Castor, a Mocidade era conhecida só pela bateria. Ele deu uma injeção na escola. Foi uma figura importante não só para a Mocidade, mas para o carnaval do Rio.

Chiquinho montou o próprio negócio no início dos anos 1990. Ele diz que comprou a loja Sobradão do Carnaval, na Saara, de Piná, a ex-destaque da Beija-Flor. Nesse ponto, há uma pequena divergência entre os dois. Enquanto Chiquinho afirma que a compra foi a sua estreia no negócio, Piná sustenta que o colega de comércio só adquiriu a sua loja depois de ser seu gerente por um período, no qual o estabelecimento acumulou prejuízos.

Hoje, Chiquinho é um personagem que transcende a Mocidade. Em ensaios, puxadores de escolas costumam cobri-lo de homenagens. Este ano, com a camisa da diretoria, ele vai desfilar por Santa Cruz, Beija-Flor, Salgueiro, Mocidade e Porto da Pedra. Porém, ao contrário da liga, que se autointitula a única capaz de organizar o carnaval, Chiquinho não pode dizer que é único no fornecimento de plumas e paetês.

— Ninguém pode querer ficar com o bolo sozinho. Tem fatia para todo mundo — garante Piná."