Mostrando postagens com marcador Economia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Economia. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Templo Negro em Tempo de Consciência Negra


Antes de passarmos ao assunto do dia, peço desculpas aos leitores pela ausência de textos de minha autoria nos últimos dias. Venho enfrentando uma série de problemas pessoais, especialmente de ordem profissional, e com diversos afazeres concorrendo por tempo.

Mas este Ouro de Tolo é plural, é uma construção coletiva e os colunistas mantêm o pique com textos de alta qualidade. Certamente os leitores não sentiram a menor falta dos posts de minha lavra.

Esclarecimento efetuado, vamos ao nosso tema de hoje, feriado aqui no estado do Rio de Janeiro

20 de novembro, Dia Estadual da Consciência Negra.

Este feriado é comemorado marcando o aniversário de morte de Zumbi dos Palmares, tido pela historiografia oficial como um dos grandes mártires da luta pela liberdade negra. Pesquisas mais recentes indicam que o Quilombo dos Palmares era mais semelhante à organização social africana que propriamente um lugar igualitário, como transcrito e divulgado através dos séculos.

Estas pesquisas mais recentes indicariam até que havia escravos no Quilombo. Entretanto, não é este o ponto central de hoje.

Até porque lá se vão mais de quatro séculos...

Este texto de hoje, mais do que comemorar ou dissertar, pretende refletir. Escrevi post sobre o assunto em julho a partir da observação de que no colégio onde minhas filhas estudam praticamente não há negros em posição de aluno ou pais de alunos – somente em posições empregatícias subalternas. Contudo não pretendo retomar o mote daquele artigo, que pode ser visto neste link.

Oficialmente, os escravos foram libertados em 13 de maio de 1888. Mas as relações de trabalho, em especial aos mais pobres, à época pouco se diferenciavam apesar da 'liberdade' conquistada. Na prática, houve alteração na forma de organização de produção. Alguma liberdade, verdade, mas restrita.

A escravidão formal passou a ser a servidão pelo trabalho – ou a falta de. Os baixos salários substituíram o documento de posse formal, tornando tudo um mundo de “faz de conta”: o direito de ir e vir por parte dos então escravos passou a ser limitado pela falta de recursos financeiros, grosso modo.

No Brasil, o trabalhador só passou a ter alguma liberdade após a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada no governo de Getúlio Vargas. Neste momento havia uma movimentação mais livre por parte dos empregados no sentido de transitar entre empregos diferentes, até porque os Anos 50 e 60 foram as décadas do grande salto de industrialização brasileiro.

A evolução salarial e de emprego – a primeira particularmente – foram bem afetadas no período da ditadura militar, com políticas compressoras de salário e que aumentaram a concentração de renda no país, Isso apesar do período conhecido como “Milagre Econômico”, onde o país cresceu mas a renda não foi dividida.

Parêntese: chega a ser curioso ver o então Czar da Economia Delfim Netto, que dizia “primeiro crescer o bolo da economia para depois dividi-lo” hoje defendendo posições keynesianas no campo econômico e social-democratas na política. Nos dois momentos históricos, com bastante competência - sejamos justos.

Para o negro, em especial, o conceito de liberdade ainda pode ser considerado bastante relativo. Quando vemos a sociedade e percebemos que ainda hoje há extrema dificuldade de inserção nas camadas mais altas da sociedade, notamos como ainda há muita coisa a ser feita, em que pese progressos visíveis ocorridos na última década.

Vale dizer que material da revista inglesa “The Economist”, reproduzido na revista Carta Capital há três semanas, aponta o Brasil como um dos países que mais diminuiu a concentração de renda na última década. Esta concentração é medida por um indicador denominado “Coeficiente de Gini” ou “Índice de Gini” que, embora ainda tenha bastante a avançar, teve no caso brasileiro evolução significativa na última década.

O sacrifício – ainda que simbólico - de Zumbi e outros mártires da causa negra valeu a pena ?

Sem dúvida alguma, a cultura negra hoje é mais aceita que no início do século passado. Contudo houve a necessidade de um processo de aculturação, adaptação, mitigação de seus costumes, sua cultura e suas crenças.

Como bons exemplos deste fenômeno, podemos citar a religião e o samba. Ambos passaram por um processo de aculturação - e, em certos casos, de dominação e perda de controle sobre o fenômeno.

Por outro lado, lastima vermos, em pleno Século XXI, manifestações de racismo latentes e explícitas. O preconceito é praga que não se findou. A própria estátua de Zumbi aqui no Rio, volta e meia, é vítima deste estigma com pichações e vandalismo.

Também escrevi no artigo anterior que o racismo no Brasil é disfarçado, não explícito. E por isso mais difícil de combater, até porque a fronteira entre o politicamente correto – que é outra praga – e o racismo é muito, muito tênue.

A "consciência negra" deve ser empregada na luta por oportunidades iguais, por empregos iguais, pela não-discriminação. Este é uma luta de todos nós, brasileiros. Por outro lado o raciocínio de que a discriminação social no Brasil é social, não de cor, é apenas parcialmente válido. Explico.

Sem dúvida alguma existe um preconceito de classe muito forte, com uma parcela da sociedade adotando posições conservadoras, quase fascistas, como reação à ascensão social da denominada “nova Classe C” – basta ver alguns comentários que vem surgindo aqui mesmo em posts sobre política.

Contudo, quando observamos a composição das classes, o percentual de negros nas Classes A e B é muito, muito menor que a observada nas Classes D e E. Obviamente, como se percebe no início deste post, são condições que ainda remontam aos tempos da escravidão e à herança advinda desta.

É curioso se perceber que junto à evolução econômica e social ocorrida nos últimos anos percebe-se uma guinada conservadora por parte da sociedade. Acredito que seja uma espécie de autodefesa daqueles que ascenderam a fim de não perder o que conquistaram a duras penas.

Este raciocínio explica duas coisas: primeiro, o voto no PT – existe a percepção de que a oposição defende os interesses econômicos dos ricos e da elite, somente. Segundo, a guinada reacionária em temas como aborto, homossexuais, direitos civis, liberalização do consumo de maconha e que tais – “turbinada”, talvez, pela crescente mistura entre política e religião a que assistimos hoje.

Acabei saindo um pouco do tema, mas a data de hoje é importante para refletirmos se realmente nossa sociedade possui um mínimo de igualdade entre negros e brancos e se realmente estamos combatendo esta praga odiosa chamada racismo. Também é dia de celebrar a cultura negra, enaltecê-la e divulgá-la em tudo de rico que tem.

Como fazia Candeia (1935-1978), grande compositor portelense e árduo defensor da cultura negra – na foto, com Martinho da Vila em algum momento da década de 70. Infelizmente Candeia partiu muito precocemente, vítima de complicações causadas pelos tiros levados em uma briga de trânsito e que o deixaram paraplégico anos antes. Mas sua luta e sua genial obra ficaram. Viva Candeia e viva a cultura negra!

E já dizia o Salgueiro em 1989: "o Centenário não se apagará".

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Bolsa Família e seus benefícios evidentes



Semana passada alguns órgãos de imprensa, timidamente, repercutiram pesquisa feita em 2009 pelo Ministério do Desenvolvimento Social sobre os beneficiários do Programa Bolsa Família e os resultados trazidos pelo programa.

O programa do governo federal garante uma complementação de renda a famílias que estejam em estado de pobreza e extrema pobreza, com algumas condições a serem cumpridas.

A lei que criou o benefício define como em situação de “extrema pobreza” famílias que tenham renda per capita de R$70 mensais, no máximo. Ou seja, a renda por pessoa em uma residência não pode exceder este valor.

Já a situação de “pobreza” é aquela onde a renda per capita está entre R$70 e R$140 mensais. Somente são atendidas pelo programa nesta faixa de renda famílias que tenham filhos em idade escolar ou adolescentes de até 17 anos.

O benefício é variável e o máximo que uma família pode receber é de R$ 306 mensais no total. Como o leitor pode perceber, não é um valor que vá desestimular a busca por trabalho.

Para receber o benefício algumas regras precisam ser cumpridas, como freqüência mínima das crianças em educação regular, número mínimo de comparecimento a consultas pré-natais (para as grávidas) e manter o cartão de vacinação infantil, entre outros.

Anualmente, o Bolsa Família representa um investimento de aproximadamente 20 bilhões de reais, o que significa 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Dados os resultados, é um custo benefício muito bom, levando-se em conta apenas a questão econômica – que a meu ver é menos importante que a social.

Ao contrário do que se configurou no senso comum das pessoas, o fato do beneficiário ter um emprego não significa a sua exclusão do programa. Como o critério é a renda per capita, um salário mínimo recebido em emprego, por exemplo, pode manter a família dentro dos critérios de renda per capita exigidos.

Entretanto, com o aquecimento da economia, na prática boa parte daqueles que alcançam um emprego formal acabam por deixar o programa. Um emprego de dois salários mínimos (cerca de R$ 1,2 mil), para uma família de três filhos, já significa a exclusão do programa.

Muitos destes empregos, inclusive, criados na própria esteira do programa. Em locais de economia menos estruturada, no interior, a injeção de recursos proporcionada pelo programa dinamizou economias estagnadas e criou empregos que foram ocupados pelos próprios participantes do programa.

Voltando à pesquisa, ela foi realizada com 11.433 famílias, as mesmas entrevistadas no estudo anterior (2005) e que representam 74% do número abarcado anteriormente. Neste número estão incluídas famílias participantes e não participantes do programa.

Comparando-se os dados das duas pesquisas, percebem-se algumas melhorias visíveis nas famílias beneficiárias do programa: 14% a mais de gestações levadas a termo (comparando-se a não beneficiárias), 39% de crianças mais bem nutridas no grupo recebedor, aproximadamente 20% a mais de crianças vacinadas em dia.

Estes números, a meu ver, possuem duas explicações: primeiro a melhoria de renda permitiu que as famílias beneficiárias se alimentassem de uma forma menos precária e, assim, gestações e desnutrição recuassem. Segundo, as exigências de manutenção da caderneta de vacinação em dia e de acompanhamento pré natal exerceram um efeito preventivo que também melhorou os índices.

Educacionalmente, a freqüência escolar de crianças de 6 a 14 anos foi 4% maior, bem como a aprovação foi 6% maior. Aproximadamente 96% das crianças nesta faixa etária tiveram a freqüência mínima exigida nas regras do Bolsa Família.

Destaque-se o impacto entre as meninas entre 15 a 17 anos, com freqüência e aprovação 19 e 28% maiores respectivamente. Não tenho aqui os dados de cruzamento, mas me arriscaria a dizer que tais números demonstram que o número de adolescentes grávidas no grupo beneficiário é significativamente menor. Obviamente, em extratos mais pobres a gravidez acaba afastando as meninas da escola – e elas não retornam.

Outro dado importante é que a procura de emprego é praticamente a mesma entre beneficiários e não beneficiários do programa – na faixa etária entre 30 e 55 anos é de cerca de 70% para ambos os grupos. Isso desmonta o argumento de grupos conservadores de que o programa “está gerando uma legião de vagabundos que vivem às nossas custas”.

Entretanto diminuiu a incidência de trabalho infantil: entre meninos de 5 a 15 anos caiu de 4,3% para 3,7%, e entre meninas de 2,2% para 2%. Neste caso a explicação é óbvia: com o benefício as crianças não precisam trabalhar para ajudar no sustento da casa. Os números entre as famílias não assistidas são significativamente maiores.

Embora sejam dados de 2009, a pesquisa deixa claro o alcance da política social – e de indução ao crescimento econômico – trazidos pelo programa. Nos oito anos de vigência cerca de 30 milhões de pessoas saíram da miséria absoluta e impulsionaram a formação de um verdadeiro mercado interno de consumo de massa no Brasil.

Como os leitores podem ver por estes números, a melhora das condições sociais trazidas pelo programa é evidente. A fome, que há menos de 20 anos era algo endêmico, hoje é periférica. Aumenta a freqüência à escola, o grau de instrução e as condições de saúde, bem como diminui o trabalho infantil.

É uma revolução silenciosa em curso.

Atualização: a Ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, concedeu ótima entrevista esta semana à Revista Carta Capital explicando o Bolsa Família. Pode ser lida aqui.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Bissexta - "Cinema é a maior diversão"


Nesta segunda, de volta após um período de recesso, a coluna “Bissexta”, assinada pelo advogado Walter Monteiro, fala sobre a resistência dos cinemas às novas formas de entretenimento.

Confesso que pessoalmente estas novas formas de diversão me afastaram dos cinemas. Nos últimos seis ou sete anos, excluindo-se filmes infantis fui uma única vez ao cinema. Mas sou exceção.

Cinema é a maior diversão

Eu estava ali, na transição da infância para a adolescência, quando o videocassete surgiu no Brasil. A loja mais perto da minha casa exigia uns 15 minutos de caminhada e era muito caro pegar um filme lá. Não era uma locadora, era o que se chamava na época de “vídeo-clube”, porque para pegar filmes era preciso ser sócio. E o requisito básico da admissão era doar dois filmes para o empreendimento (ou, claro, pagar o seu equivalente em dinheiro).

Era muito dinheiro, ao menos parecia ser para um moleque de 13 anos. O que, aliás, não fazia muita diferença mesmo, porque lá em casa não tinha videocassete.

A gente morava na maior casa da rua, havia três carros na garagem, meus amigos juravam que minha família era rica, mas o fato é que não tinha videocassete. Só quem tinha era o vizinho de porta, que além de videocassete, tinha motorista particular. Quando a filha dele nos convidava para ver um filme lá, a molecada se sentia nas nuvens vivendo uma experiência inédita.

Foi ali que todo mundo passou a vaticinar o fim do cinema. Cinema seria coisa do passado, da geração dos nossos pais. A gente ia ao Cinema América, na Praça Saens Peña, comprava um saquinho de pipoca na carrocinha, um Mentex no baleiro e passava as tardes das nossas férias de verão assistindo ET, Indiana Jones, Blade Runner, com direito ao Canal 100 e os gols de Zico antes do filme começar.

[N.do.E.: saudades do Canal 100. E de Zico também.]

Mas a gente sabia que era uma questão de tempo, que em breve a gente não ia mais precisar passar as tardes no cinema, logo cada um ia ter um videocassete na sua casa e pronto.

E por um tempo eu achei que as previsões iriam mesmo se confirmar. O assunto predileto da imprensa cultural nos anos 80 era noticiar o fechamento das salas de cinema. O Rian virou a Help, o Carioca virou Igreja Universal, o Imperator virou uma casa de shows, o Rio virou uma agência bancária.

Sei lá como, mas os cinemas resistiram. Os shoppings centers começaram a se espalhar e cada um deles tinha suas salas de cinema. Veio o Estação Botafogo, para emprestar um selo de qualidade aos seus freqüentadores, como membros de uma raça privilegiada diante dos infelizes que insistiam em se divertir com filmes hollywoodianos. Veio o Festival de Cinema do Rio. Virei adulto, me formei e nunca deixei de ir ao cinema.

Nessa época, na minha casa já tinham três videocassetes: um na sala, um no meu quarto, outro no quarto da minha irmã.

Logo depois veio a TV a Cabo.

Os profetas do apocalipse então passaram a preconizar dois falecimentos de uma só vez: do cinema e das locadoras de vídeo. No próximo movimento, home-theaters e os DVDs. Parecia um golpe definitivo: ora, se a qualidade de som é espetacular, a qualidade de imagem idem, por que raios alguém sairá de casa para ir a uma sala escura assistir filmes com estranhos?

Talvez pelo tamanho da tela. Então, que tal fazer televisões imensas? Aquela tvzona de 29 polegadas e que pesava uma barbaridade precisava ser aposentada.

Vamos fazer TVs de 40, 42, 50 polegadas, fininhas, que combinem com a decoração da casa. E vamos, melhor ainda, tornar a experiência de imagem algo muito impactante, com transmissão em HD, discos Blu-Ray e até mesmo TVs com recursos 3D.

Ah, e de quebra, vamos tornar o acesso aos filmes algo banal, à distância de um clique, através de downloads legais ou ilegais, torrents e tudo o mais. Diante desse arsenal de diversão ao redor do sofá, somada à onda de insegurança das metrópoles, é líquido e certo que as pessoas ficarão muito mais em casa e não perderão tempo de ir ao cinema. Chegamos, enfim, na segunda década do terceiro milênio inteiramente saciados de home enterteinament.

São mais de 30 anos de previsão do fim do cinema e suas salas escuras. A cada nova tecnologia, a desesperança se renova. E ninguém dá o braço a torcer. Admitam, ranzinzas, vocês perderam: O CINEMA NÃO VAI ACABAR NUNCA!

De forma paradoxal, mesmo diante de tanta tecnologia de exibição doméstica, o público do cinema cresce de forma constante. Aliás, o maior crescimento ocorreu justamente nos últimos anos, quando se previa exatamente o contrário.

Vejam o gráfico:


E cinema, que era algo barato, já não é tão mais. Os preços cresceram muito. Mesmo assim, 140 milhões de brasileiros saíram de suas casas em 2011 para assistir um filme.

Quem entende do riscado explica o fenômeno a partir da melhoria das condições oferecidas aos usuários. As salas de cinema são confortáveis, as opções de lanche são bem mais diversificadas, os espectadores são bem tratados.

O que não deixa de ser uma bela lição para os cartolas do futebol: quem sabe seja possível cobrar mais e duplicar a frequência aos estádios quando o torcedor passar a ser tratado com a dignidade que merece?

Enquanto esse dia não chega, todos ao Cinemark!


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Vidas Sem Lar


Como havia comentado aqui na semana passada, tive um final de semana bastante atribulado, com idas ao hospital e outras pendências para resolver. Tanto que sequer consegui atualizar o blog ontem, no que peço desculpas aos leitores.

Entretanto, consegui ver o documentário “Vidas Sem Lar”, apresentado no último programa “Domingo Espetacular” da Rede Record. Com pouco menos de 29 minutos, o programa foi editado e dirigido pelo jornalista Marco Aurélio Mello, que comanda o ótimo blog “DoLaDoDeLá”.

É o segundo documentário apresentado neste formato: o primeiro foi sobre a vida do médico Marcelo Clemente e a Cracolândia paulista, que já foi alvo de post aqui.

A ideia era mostrar a condição de oito milhões de pessoas que não tem moradia e a luta cotidiana por tal condição, focalizando especialmente os movimentos paulistas de ocupação de imóveis abandonados no Centro de São Paulo e as dificuldades enfrentadas.

São Paulo possui uma série de imóveis abandonados em seu centro, que vem sendo alvo dos movimentos de sem teto. Normalmente são imóveis que possuem dívidas de IPTU e cuja lei determina que estas instalações podem ser desapropriados pelo governo a fim de atender à “função social da propriedade”.

Entretanto, não é isso que ocorre. A luta pela moradia destes movimentos tem de ser diária, pois normalmente o que ocorre é a reintegração de posse determinada pelos proprietários e imediatamente executada pela Polícia – sempre com muita violência. Há interesse claro dos governos municipal e estadual no sentido de expulsar os moradores pobres destes espaços e “desterrá-los”.

O documentário também mostra as precárias condições de moradia nas favelas, sem infraestrutura e sofrendo de uma estranha epidemia de incêndios: toda semana comunidades se incendeiam na capital paulista.

As histórias de vida apresentadas possuem algumas características em comum: é gente pobre, sem condição de pagar um aluguel por ganhar pouco e que busca a regularização da moradia com o consequente pagamento por isso.

Isto é algo que precisa ser deixado claro: ninguém quer nada ‘de mão beijada’. Todos os entrevistados apresentados são unânimes em afirmar que desejam a regularização das condições de moradia, com pagamento mensal.

O programa é bastante feliz em mostrar como a ausência de um endereço fixo e moradias como cortiços tira a dignidade das pessoas. Além das dificuldades normais e extensas, há dificuldade em uma condição destas de se conseguir emprego, por exemplo. Há muito preconceito.

A luta é por um programa de regularização destes prédios desocupados, sua transformação em moradias populares e a construção de uma estrutura mínima. Utiliza-se o conceito de “função social da propriedade”, que está em clara oposição ao entendimento da Justiça de que o direito dos donos deve ser defendido de qualquer forma e a qualquer custo.

Entretanto lembro ao leitor que o conceito de função social da propriedade é previsto em nossa legislação e que pelo menos no caso paulistano praticamente todos os espaços abandonados e ocupados possuem dívidas tributárias – ou seja, podem ser desapropriados.

Neste contexto, todavia, fica clara a disposição ideológica do governo de São Paulo de se posicionar ao lado dos proprietários. O Secretário de Habitação do Estado de São Paulo, Sílvio Torres – integrante da “bancada da CBF” enquanto deputado federal – é um dos entrevistados e afirmou retoricamente que há interesse do estado em uma política de habitação que contemple estes extratos mais desfavorecidos.

O documentário deixa claro a meu ver que isso é retórica pura por parte do secretário. Demagogia.

Lembremos que o Brasil ficou aproximadamente 30 anos sem uma política habitacional estruturada, retomada apenas recentemente com o Programa “Minha Casa, Minha Vida” do Governo Federal. Há um déficit de moradias e a valorização expressiva dos imóveis ocorrida nos últimos anos dificulta sobremaneira as aspirações destes extratos de menor renda.

Isso tem outra conseqüência: muitas vezes os terrenos destes imóveis abandonados no centro de São Paulo e os ocupados pelas favelas são cobiçados para novos empreendimentos voltados à classe média ou a prédios comerciais. Não me parece coincidência a relação entre os incêndios que citei no início deste post e esta atratividade de terrenos – ainda mais com o metro quadrado em alta.

Retornando aos dramas pessoais mostrados no programa, me impressionou a organização das ocupações: há um código rígido de conduta e organização comunitária a fim de melhorar a precária estrutura e tornar menos insalubre a condição. Contrastando com o drama dos cortiços, fica claro que não se tratam de “vagabundos” ou “aproveitadores”. São pessoas honestas, trabalhadoras e que buscam, apenas, um local para morar.

Local para morar que sempre sofre a ameaça das reintegrações de posse, sempre com bastante truculência. É algo que permeia o documentário e a situação em si: para o Estado, a Polícia é a solução deste problema. Pobre bom é pobre espancado – e longe, de preferência.

Não esgoto aqui os temas tratados, mas me parece claro que o conceito de função social da propriedade precisa estar à mesa dos formuladores de políticas públicas. São oito milhões de pessoas que querem apenas um teto. Querem apenas um local digno para repousar no final de uma jornada de trabalho.

Disponibilizo no alto do post a íntegra do vídeo para os leitores.

Aproveito para parabenizar a equipe e a emissora de televisão pela matéria, mostrando um lado do Brasil que muitos telespectadores interessados na gravidez da esposa de apresentadores ou na briga entre dois cantores sertanejos (apenas para citar temas do próprio Domingo Espetacular) não conhecem, ou fingem não conhecer.

Finalizo com um comentário “off topic”: me chamou a atenção no documentário uma jovem entrevistada com aparelho dentário, algo que não se deveria esperar neste tipo de comunidade devido ao custo.

Conversando com o próprio editor Marco Aurélio Mello, após a exibição do programa, descobri que o Governo Federal possui um programa denominado “Brasil Sorridente”, de cuidados com a saúde bucal e que fornece, também, aparelhos e outros tipos de próteses atendendo a certas condições. Confesso que não sabia da existência deste programa.

A propósito, este é um bom exemplo de como a comunicação deste governo precisa melhorar. Mas este é tema para um outro post.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A transformação da sociedade brasileira


Lendo a prévia da coluna “Orun Ayé” do próximo domingo, onde o colunista Aloísio Villar faz uma ácida análise do que representa o “7 de Setembro”, fiquei a pensar nas transformações que nossa sociedade experimentou nos últimos anos.

Evidentemente que há muito o que se mudar e muito o que se evoluir, mas quando pessoalmente observo o que somos hoje e o que éramos há 20 anos atrás a evolução me parece bastante perceptível.

Acho que já escrevi aqui em outras ocasiões que o grande sonho de minha geração de economistas era ver o Brasil com um mercado interno consumidor de massa. Em meados da década de 90, época onde estudei, isso era considerado impossível, ou em futuro distante. Nosso mercado, ou melhor, nosso país em termos de consumo, se resumia com boa vontade a 20 milhões de habitantes.

Hoje, com erros e imperfeições, temos um mercado consumidor interno que manteve a economia girando apesar da crise mundial. Vale lembrar nesta questão o efeito indutor da economia proporcionado pelo Bolsa Família.

O programa de geração de renda é advindo do “Renda Mínima”, de autoria do saudoso professor Antonio Maria da Silveira e encampado pelo então senador Eduardo Suplicy. Seu papel neste processo foi propiciar um efeito indutor à economia, em especial em regiões sem dinamismo econômico.

Exemplificando: o Zezinho não tinha renda nenhuma e passou a receber o Bolsa Família. Então ele vai na padaria do Manoel e compra pão e leite para os filhos, que precisam freqüentar a escola por exigência do programa.

O que ocorre? O Manoel contrata o Zezinho para vender pão, pois a demanda pelo seu produto aumentou. Com isso uma economia estagnada passa a ser mais dinâmica devido ao efeito indutor do programa.

O Manoel também vai comprar mais e permitir que a fábrica de freezers, por exemplo, contrate mais gente para atender ao pedido dele – e de outros Manoéis pelo Brasil. Esta gente contratada também compra na padaria do Manoel – e um círculo virtuoso se forma.

Paralelamente, com o aumento do emprego e da renda e a queda dos juros reais abre-se espaço para uma maior concessão de crédito, o que possui um efeito duplo: aumenta o consumo por um lado e o investimento por outro – já que se torna mais atraente investir em novos negócios que manter o dinheiro parado no banco com o rendimento de renda fixa.

O fato é que hoje temos uma economia dinâmica e que vem se mantendo incólume apesar da crise nos países desenvolvidos. Isso explica, também, o porquê da manutenção do PT no governo apesar de toda a intensa campanha midiática contra.

Politicamente, lembro ao leitor que este período de normalidade democrática já é o maior de nossa República. São 27 anos de respeito à Constituição e com governos eleitos dentro das regras estabelecidas.

O leitor pode alegar que a República Velha, entre 1889 e 1930, foi um período maior. Entretanto, temos de nos lembrar que houve uma série de revoltas neste período, bem como não havia o voto universal. A participação era oligárquica e não abordava a maior parte da população.

Mesmo o combate à corrupção, a meu ver, avançou. Há muito o que se fazer ainda, mas hoje vivemos em um tempo onde os escândalos são revelados e, aqui e ali, há punições. Nosso Judiciário precisa olhar menos a cara do freguês, mas este é um longo processo.

Em termos de política externa, há cerca de 20 anos éramos satélites inexpressivos dos Estados Unidos, com as finanças externas exauridas e tendo as nossas política econômica e externa determinadas fora do locus territorial brasileiro. Hoje fazemos parte dos BRICs e temos um papel ascendente na política internacional, como potência regional.

Seremos sedes da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, algo que na minha infância e adolescência seria impensável. Pode-se questionar o superfaturamento nos custos e a falta de transparência nestes, mas sem dúvida alguma é uma conquista que reflete as mudanças ocorridas em nosso país. Nos próximos quatro anos seremos alvo de todas as atenções mundiais.

Descobrimos também aquela que é a última fronteira petrolífera mundial, graças ao esforço de geólogos e engenheiros de petróleo da nossa Petrobras.

Vale lembrar também que a fome, problema sério há apenas 20 anos atrás - quem não se lembra da "Campanha do Betinho" - é algo hoje muito menor. O padrão alimentar do povo brasileiro (aliás, este foi o tema de minha monografia final de curso) hoje já exerce uma demanda protéica crescente, com adição de frutas e legumes na dieta média.

Temos uma nova classe média, com ascensão social de um número de pessoas jamais visto na história do Brasil. Apesar de ser um ponto onde ainda precisamos melhorar bastante a educação também vem se mostrando mais inclusiva e atendendo a mais pessoas.

Nós sentimos dificuldade de avaliar momentos históricos quando estamos inseridos neles, mas daqui a 30 anos, quando olharmos para trás, veremos que este é um dos momentos mais importantes da história brasileira. A independência do "7 de setembro" pode ter sido apenas "pro forma", mas curiosamente em um mundo interdependente como é o atual o Brasil vem se desenvolvendo com uma cada vez maior importância individual.

Há muito o que se avançar? Sem dúvida. O país tem problemas, a corrupção ainda é bastante alta, o modelo político precisa de aperfeiçoamentos, precisamos ter uma mídia mais isenta e a economia sanar alguns gargalos. Além disso o povo pode e deve ser mais participativo na vida nacional.

Mas o leitor tenha certeza que daqui a trinta anos este período que estamos vivendo será marcado como um dos mais importantes da história brasileira. É algo que, sem dúvida, podemos celebrar no dia de amanhã. Uma vez na vida conclamo o leitor a olhar para o que é bom e se fixar menos nas críticas do dia a dia. O momento merece - até para que estejamos impelidos a evoluir ainda mais.

Patriotismo é fazer a nossa parte e ver o país progredir.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O alto preço das cervejas especiais no Brasil


Em meu último final de semana, que foi bastante tumultuado, entre o show da Marisa Monte – que, aliás, só recomendo aos muito fãs – e idas ao hospital – estou com um problema de saúde na família, fui fazer a barba como sempre faço aos sábados.

Quase em frente ao salão – que já foi alvo de um post antigo deste blog sobre a extinção dos barbeiros – fica uma espécie de empório, ou delicatessen, onde costumo me abastecer de ótimos queijos e outros frios nos quais a casa é especializada. Inclusive a casa tem um ótimo queijo defumado que recomendo bastante.

Pois é. A casa tem um pequeno portfólio de cervejas, nacionais e importadas. Calculo que tenha cerca de 30 a 40 rótulos, mais para complementar a compra de quem leva pães, embutidos, frios e outros produtos típicos deste tipo de estabelecimento.

Qual não foi a minha surpresa ao ver um rótulo inglês, a Bombardier, pela bagatela de R$ 9,90. Acostumado que estou com os preços de cervejas aqui no Brasil, olhei logo para a data de validade para ver se estava próxima. Não estava: era 2013.

Outros dois rótulos do mesmo fabricante, com ‘sabores’ de mel e banana, estavam com o mesmo preço do exemplar que citei acima. Ainda havia outros dois a R$ 11,99.

Levei apenas três garrafas (meio litro cada uma), pois estou com meu estoque bastante grande. Contudo, muito me surpreendeu o preço cobrado, bastante abaixo do encontrado em lojas especializadas. Em uma delas, vi a mesma cerveja ontem a R$ 23.

Isso me levou a pensar sobre a formação de preços deste mercado aqui no Brasil.

O mercado de cervejas artesanais e importadas é relativamente recente aqui no Brasil, e vem vivendo um verdadeiro boom de dois anos para cá. Hoje até mesmo o empório de um bairro de classe média na Zona Norte, como o que eu moro, tem alguns exemplares.

Obviamente, o lado positivo é que o consumo de boa cerveja está se popularizando no Brasil e isto é ótimo: temos mais opções de boas brejas para se sorver, além dos insípidos exemplares oferecidos pelas grandes fábricas. Aliás, é até um debate interessante se devemos considerar estes exemplares como cerveja ao pé da letra, mas este é um tema para outro post.

Um segundo parêntese: os mercados das cervejas de massa e das especiais são complementares, não excludentes. Também voltarei ao tema em outra ocasião.

Entretanto, me parece claro que o fato observado de que o consumo de boa cerveja “está na moda” gera uma espécie de “sobrepreço” nos produtos. A sensação que eu tenho é de que a margem praticada é muito mais alta do que seria razoável tendo em vista a dinâmica dos processos.

Evidentemente, sei de algumas dificuldades: o giro não é tão alto (o que gera custo de estoque), há um investimento inicial considerável e o consumo, apesar de crescente, ainda é restrito às classes A e B.

Contudo para mim até como economista está claro que existe um efeito de demanda empurrando as margens: devido ao “efeito novidade” se colocar uma Chimay, por exemplo, a R$ 15 ou a R$ 32 (como já vi em diferentes lugares aqui no Rio, lojas físicas e virtuais) não vai impactar muito no preço.

Ou seja: como o consumo de cervejas especiais é uma “novidade” e “está na moda”, quem oferta estes produtos eleva sua margem de forma (quase) indefinida a fim de ganhar dinheiro “surfando” nesta onda. Que fique claro que não estou acusando os donos de lojas e restaurantes especializados de serem desonestos: estão apenas se adaptando a uma condição de mercado.

Vejo por outro lado importadores e produtores nacionais reclamando do peso dos impostos. Ok, eles realmente são altos. Mas grosso modo o sobrepreço para o produto desembarcado no Brasil (imposto de importação, IPI, ICMS e PIS/COFINS) é de aproximadamente 130%, já contabilizando o efeito cascata.

O leitor pode ver na foto que abre o post – do blog TravelandBeer – uma gôndola de um Carrefour na Bélgica. Uma Chimay Grand Reserve custa lá, para o consumidor final, 3,99 euros – arredondando, R$ 10.

Aqui no Brasil, no lugar mais barato onde encontramos a mesma cerveja ela é vendida por aproximadamente R$ 44. Isso em lojas virtuais, que não tem estrutura física – basicamente é um galpão com estoque e estrutura de entrega muitas vezes cobrada à parte ao cliente.

Em lojas especializadas a mesma cerveja chega a custar R$ 70. Ora, se ao consumidor custa R$ 10 na Bélgica, para o importador sai mais barato, talvez os mesmos R$ 10 ou um pouco mais - já desembarcada no Brasil. Somando-se os impostos e a margem do importador pode-se estimar algo em torno de R$ 25 por garrafa.

Cobrar R$ 45 até vai, porque ainda tem custo de estoque, empregados, outras despesas, margem de lucro e etc – isso daria aproximadamente 80% de margem bruta estimada. Mas R$ 70?

Ressalvo que são cálculos estimados, porque nunca tive chance de ver uma nota fiscal destas. Mas pelo o que converso com gente do setor a estimativa é bem próxima da realidade.

Outro bom exemplo de como a margem está elevada neste segmento é o que algumas lojas e restaurantes fazem: se beber gelada é um preço, levando quente para casa há um desconto de 20%. Lembro aos leitores que o custo a mais para servir a bebida gelada se resume à energia elétrica da geladeira ou freezer – o serviço do garçom muitas vezes é cobrado à parte nos 10% da gorjeta.

A meu ver, claramente estes 20% são uma espécie de “margem moda”, ou seja, o preço que se paga por ser “chique” beber cerveja especial. Enquanto isso quem realmente aprecia a bebida – modestamente me incluo neste grupo – acaba tendo de se sujeitar a estas condições.

Mais um ponto que deve ser verificado é que com o aumento de consumo e de escala de compra e importação os preços deveriam baixar: maior escala, maior compra, maior poder de negociação e menor preço por unidade. Mas a evolução de preços de dois anos pra cá é bastante tímida, e observada apenas para alguns produtos.

Vi um bom exemplo disto na semana passada: um restaurante especializado no Centro do Rio comprou uma quantidade maior de outra cerveja inglesa, a “Spite Fire” (da qual pessoalmente gosto muito, recomendo). Eles fizeram uma promoção onde o preço normal de R$ 25, encontrado em média, caiu para R$ 17, desde que se levassem duas garrafas. E o preço era o mesmo quente ou gelada.

Também deve se perceber é que em muitas cervejas, especialmente as belgas, o preço da garrafa maior, de 750ml, é mais que o dobro do exemplar de 330ml. Se eu tenho uma garrafa maior ela deveria ter algum tipo de desconto para incentivar o maior consumo, mas aqui não é o que ocorre: a garrafa menor custa R$ 18, por exemplo, e a maior R$ 45.

Mais um exemplo de “margem moda”. A garrafa é mais bonita, chama mais a atenção, impressiona mais – então pode-se cobrar mais caro. Economicamente não faz o menor sentido. E olha que nem me refiro a exemplares de 1,5 litro que chegam a custar R$ 150 – quentes.

Parecido também é a mesmíssima cerveja custar em garrafa R$ 16 e em lata R$ 10, com a mesmíssima quantidade. A diferença de preço é porque as latas são menos aceitas como “qualidade” de bebida – o que, pessoalmente, considero bastante duvidoso, para se dizer o menos.

Também é curioso se perceber que o câmbio em relação ao dólar sofreu uma desvalorização de aproximadamente 20% no último ano – o que elevaria os preços de exemplares importados – mas estes ao consumidor final mantiveram-se em média constantes. Isto é sinal de que ainda há gordura para queimar nas margens e ainda assim deixar o negócio extremamente lucrativo.

A propósito, sei que as cervejarias artesanais brasileiras tem o problema da necessidade da importação de quase toda a matéria prima, mas queria entender como vários exemplares nacionais chegam a custar mais caro que ótimas cervejas importadas do mesmo tipo.

Ou então, casos como a da cerveja Colorado Vixnu (outra ótima breja, por sinal), que originalmente era mais cara porque precisava ser mantida toda refrigerada na cadeia de produção e logística devido à não pasteurização. Ok, só que a Vixnu passou a ser pasteurizada para alcançar maiores públicos e o preço continua exatamente o mesmo.

Ressalte-se, também, que as cervejarias artesanais brasileiras vivem reclamando que seu regime de impostos é diferente das grandes cervejarias, sendo mais alto. Só que toda vez que se fala em uma união entre eles a fim de fazer pressão por isonomia tributária os interesses pessoais e a vaidade falam mais alto. A causa é justa, mas sem união não se chegará a lugar nenhum.

Na verdade, minha impressão é que esta desunião vem muito do fato de que conseguem repassar ao consumidor todas as elevações de custos proporcionadas pelo aumento de impostos e outros insumos necessários.

Ao fim e ao cabo, quem deve estar errado é o senhorzinho que vende a cerveja inglesa a R$ 10 e outras a um preço bem justo. Ele não deve entender nada de cerveja...

P.S. – Abaixo, outra prateleira de preços em um mercado na Espanha. Reparem nos preços das cervejas americanas, importadas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Os Nerds na Vida Real - "Samsung e Apple: A Briga Judicial"


Em edição extra, a coluna "Os Nerds na Vida Real", do analista de sistemas Rodrigo Felga, traça um panorama sob o ponto de vista técnico da gigantesca briga judicial entre a Samsung e a Apple envolvendo patentes e outras questões técnicas de smartphones e tablets.

Esta demanda deverá ter sua sentença divulgada nos próximos dias.

Em minha visão de economista o que me parece é que a Apple quer se impor como monopolista no mercado, utilizando-se do sistema de patentes. Como o próprio colunista explica, há algumas "patentes" que são extremamente duvidosas. Por outro lado também me parece claro que o sistema de patentes precisa ser revisto e demandas tanto da Apple quanto da Samsung me parecem claramente exageradas.

Além disso, vale lembrar que cópias sempre existiram, e cópias aprimoradas principalmente. Muitas das grandes inovações tecnológicas surgiram do aprimoramento de produtos pioneiros. O limite entre a cópia e o plágio é que me parece bastante tênue.

Na verdade o que ocorre não é muito diferente de áreas como a de medicamentos ou a de implementos agrícolas, onde uma suposta exclusividade tecnológica é utilizada para impor um monopólio artificial - e isso gera preços mais altos ao consumidor e lucros mais altos à empresa.

Pessoalmente, neste caso sou a favor da competição. Passemos à coluna.

Samsung e Apple: A Briga Judicial

Olá amigos!

Na coluna especial de hoje falarei um pouco sobre a briga judicial entre Apple e Samsung, cujo julgamento está ocorrendo nos Estados Unidos. Visto que o Direito não faz parte da minha área de conhecimento, darei uma visão mais tecnológica sobre o assunto.

Tudo começou no dia 15 de abril de 2011, quando a Apple acionou judicialmente a Samsung nos Estados Unidos alegando que os produtos da Samsung copiavam design, embalagem e até disposição dos ícones de seus aparelhos (na época, iPhone e iPad).

Depois dessa primeira investida da Apple, o que se viu foi uma guerra de processos pelo mundo que já somam por volta de 50 ações, com as empresas trocando acusações de cópias dos mais variados itens.

A Apple acusa a Samsung de copiar basicamente patentes de design, enquanto a gigante sul-coreana rebate com acusações de cópias de patentes mais técnicas. Ambas as empresas já obtiveram vitórias nos tribunais mundo afora, com a Samsung ficando impedida de comercializar alguns de seus produtos em determinados países e a Apple tendo que pagar algumas multas em outros países.

No processo que corre nos Estados Unidos ocorreu um fato curioso: uma advogada de defesa da Samsung foi indagada pela juíza se saberia diferenciar qual era o tablet da empresa que defendia. Ainda que estando a três metros dos aparelhos, não conseguiu diferenciar os dois, tamanha a semelhança entre eles. Outro fato curioso é que a Samsung é uma das principais fornecedoras de peças para os celulares e tablets da Apple.

Independente do resultado, que deverá sair na próxima semana, é fato que esse julgamento afetará não só as duas empresas envolvidas, mas todo o mercado de smartfones e tablets.

Caso vença a Apple, as empresas serão forçadas a investir no design de seus produtos para diferenciá-los da concorrência, enquanto no caso de vitória por parte da Samsung acredito que veremos muito mais modelos "inspirados" nos aparelhos da Apple. Para nós, consumidores, acredito que uma vitória da Apple seria melhor pois teríamos uma renovação "forçada" dos aparelhos concorrentes, que hoje em dia só fornecem mais do mesmo.

É inegável que os produtos da Samsung se parecem muito com os da empresa americana e talvez a Apple tenha razão ao reivindicar essas patentes. Por outro lado também me parece bem claro que a Apple copiou algumas patentes técnicas da Samsung, como o caso da forma de conexão à internet que gerou uma multa na Holanda. O que me preocupa nesse processo são várias patentes ao meu ver no mínimo estranhas, como algumas patentes de gestos feitos com o dedo para acessar determinadas funções.

Não me parece correto patentear gestos que fazemos naturalmente para realizar uma ação, como o deslizar de dedos para virar uma página. Na minha visão, caso a Apple vença em relação a essas patentes acho que corremos sérios riscos de ficarmos limitados tecnologicamente. O sistema de patentes americano (não só o americano, como o da grande maioria dos países) precisa ser revisto, pois nos moldes que está não contempla a evolução tecnológica vertiginosa das últimas décadas.

Muitas coisas precisaram ser revistas com as novas tecnologias, como por exemplo as leis que não contemplavam os crimes cibernéticos. Acredito que o sistema de patentes seja mais uma dessas áreas que precisam evoluir juntamente com a tecnologia.

Até a próxima coluna.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Um balanço da redução do IPI automotivo


Ao contrário do que pleiteavam as fábricas, a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dada no final de maio por parte do Governo para expandir a indústria não será prorrogada e se encerra no próximo dia 31.

Tal medida proporcionou uma elevação expressiva nas vendas de veículos, desovando os estoques existentes até o mês de maio e gerando até mesmo falta de outros produtos. Um mês antes do encerramento da redução de imposto – e consequentemente de preço – carros como o March, da Nissan, não estavam mais disponíveis para faturamento nos preços indicados com desconto.

O objetivo do governo com este incentivo era o de estimular a economia como um todo e manter os níveis de emprego no setor. Havia um compromisso das empresas em manter o nível de empregos em troca da redução do imposto, e de acordo com informações da Anfavea, entidade representante das montadoras, o nível de empregos sofreu até ligeiro aumento: de 144,9 mil postos de trabalho para 146,9 mil em finais de julho.

Ainda assim a General Motors (GM) ameaçou com demissões em sua fábrica de São José dos Campos, durante o final de julho, gerando uma greve na fábrica. O acordo fechado com os metalúrgicos no último dia 15 indica a demissão de 900 trabalhadores e a colocação de mais 940 em uma espécie de licença remunerada.

A empresa alega que as demissões são necessárias para adequar o perfil de custo da fábrica, que seria o mais alto de suas unidades no Brasil. Na prática, se tomarmos que toda a produção está sendo vendida, o objetivo real é elevar a margem de lucro por unidade vendida na unidade em questão.

Por outro lado a própria GM alega que o número total de trabalhadores está em elevação, mas ainda que se dêem empregos em outras unidades os trabalhadores paulistas engrossarão as estatísticas de desemprego.

Outra questão é que as fábricas registraram recordes de vendas em julho. Segundo a mesma Anfavea foram vendidos 364 mil veículos, o que significa 18% a mais que julho de 2011 e 3% acima de junho. A expectativa para este mês de agosto era de outro número expressivo, embora ligeiramente menor dada a falta de alguns modelos – que venderam muito mais que o previsto.

Esta é uma questão que deve ser muito bem analisada: em termos gerais, vale a pena dar um incentivo destes?

Sob o ângulo da preferência individual do consumidor, a resposta é sim. Eu mesmo antecipei a troca do meu carro, que estava prevista para este mês de agosto e foi realizada em junho. Os preços reduziram-se cerca de 10% em média e somando-se a uma melhora nas taxas de financiamento isso proporcionou uma elevação significativa dos atrativos à compra individual.

Sob o aspecto das empresas também houve ganhos. O estoque existente em maio foi inteiramente vendido, aumentou-se a produção, bateram-se recorde de vendas e obviamente houve melhora do ganho financeiro, com reflexo nos resultados e na remuneração dos acionistas.

Vale lembrar que as montadoras nacionais ganharam uma injustificável barreira à entrada na forma de um adicional de 30% no mesmo IPI para carros importados. Para o leitor ter uma idéia meu carro, um Kia Picanto, custou R$ 4 mil a mais por conta deste acréscimo, que tem o único propósito de mascarar a diferença de qualidade entre modelos nacionais e importados como coreanos e chineses – que é gritante, pelo menos no segmento entre R$ 30 a R$ 40 mil.

Pode-se afirmar que sobre os empregos houve um discreto ganho representado pela ausência de demissões em massa, mas que não se pode avaliar se realmente houve manutenção ou apenas adiamento – está aí o exemplo da fábrica paulista da Chevrolet.

No que tange ao crescimento da economia, apesar do efeito multiplicador oferecido sobre a demanda – mais carros vendidos significam mais peças produzidas, e isto estimula toda uma gama de fábricas que gravitam em volta das montadoras – a renúncia fiscal é estimada em torno de R$ 1,2 bilhão, de acordo com dados do Ministério da Fazenda. Talvez estímulos em outros setores acarretassem em maior elevação da demanda com uma renúncia fiscal parecida.

O crescimento da economia este ano como um todo não deve ultrapassar os 3%, de acordo com projeções otimistas. Este é um número bastante satisfatório quando se compara ao desempenho esperado de economias como a americana e grande parte da européia, mas aquém do desejado pelo governo. Claramente há uma reavaliação do consumo das famílias devido ao endividamento, embora deva se fazer a ressalva que muitas vezes o que parece endividamento nada mais é que troca de despesas – um aluguel que vira financiamento da casa própria, por exemplo.

Há outro aspecto que precisa ser analisado: o trânsito das grandes cidades a cada dia é mais insuportável. O automóvel particular a cada dia mais é considerado opção de transporte diário e isso se somando à tibieza dos transportes públicos – pelo menos aqui no Rio de Janeiro – torna cada vez mais caótico e ineficiente o trânsito das grandes cidades.

Por mais que se façam intervenções diárias, as ruas e avenidas não suportam o número de emplacamentos diários e a elevação de veículos circulando diariamente pelas ruas. Os investimentos em transportes coletivos são insuficientes – apesar de iniciativas como o BRT carioca – e para ficar como “sardinha em lata” dentro de um ônibus ou metrô muitas vezes a população prefere estar da mesma forma engarrafada dentro de seu veículo, onde pelo menos está sentado e muitas vezes com o ar condicionado ligado.

Por isso a profusão de veículos com apenas um ou dois passageiros nas ruas das grandes cidades, o que é absolutamente ineficiente sob qualquer forma de análise. Eu mesmo somente trabalho de carro – e quase todo o tempo sozinho – porque simplesmente não há transporte público de qualidade no bairro onde moro: são apenas duas empresas de ônibus, com poucas linhas e poucos carros. O serviço de barcas é praticamente inexistente.

Com isso, torna-se bastante duvidoso se incentivar ainda mais o carro particular quando se observa a questão do bem estar geral como um todo. É algo para se pensar e pesar junto aos outros aspectos envolvidos na demanda.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Carros: opções, escolhas – e a burocracia do Detran


O leitor deste Ouro de Tolo sabe que evito ao máximo neste espaço abordar questões de minha vida pessoal, porque a meu juízo não é o perfil deste blog. Há blogs mais pessoais mas decididamente não é o estilo deste Ouro de Tolo.

Isto posto, quero discorrer um pouco sobre a diversidade de opções a quem tem a necessidade de comprar um carro, além das minhas desventuras com a burocracia do Detran.

Como me utilizo do veículo para trabalhar – moro em um bairro no Rio onde as opções de transporte público são bem escassas – costumo trocar de carro a cada três anos, haja visto que costumo trafegar em condições bastante adversas para o veículo, com muito tempo engarrafado. Então antes que a necessidade de manutenção se torne custosa demais tenho o hábito de trocar por um novo, embora sempre siga rigorosamente o plano determinado pela montadora – às vezes até mais rigoroso, como na troca de óleo e filtros.

Tinha uma Uno, modelo antigo mas bastante equipada, e comecei a ver as opções disponíveis em uma categoria acima – a chamada pelos “especialistas” em marketing de “sub-compacto premium”, seja lá o que isso signifique.

O leitor mais antigo em anos sabe que até o início da década de 90 tínhamos apenas quatro montadoras de veículos no Brasil: Fiat, Volkswagen, General Motors (Chevrolet) e Ford. A importação era proibida e eram poucos modelos, bastante defasados tecnologicamente e com poucos opcionais.

Quando se definia uma faixa de preço normalmente havia, quando muito, quatro opções de escolha: uma de cada fábrica. A escolha era razoavelmente fácil de se fazer e normalmente acabava sendo feita por uma questão de preferência pessoal.

A situação começou a mudar com a abertura empreendida pelo ex-Presidente Fernando Collor de Mello. Em uma frase que entrou aos anais da história ele declarou que os carros brasileiros “eram umas carroças” – o que, olhando em retrospectiva, está absolutamente correto. A importação foi liberada e as indústrias brasileiras tiveram de se modernizar para manter-se no mercado.

O aumento de renda proporcionado pelo Plano Real – embora efêmero, haja visto que a política econômica de Fernando Henrique Cardoso foi de compressão salarial – também forneceu estímulos a investimentos no setor. Data desta época, por exemplo, a instalação das fábricas da Toyota e da Honda no Brasil.

Com o governo Lula e a formação de um mercado de massa no Brasil, bem como da redescoberta do crédito após muitos anos dos bancos voltados apenas aos ganhos em tesouraria o mercado viveu um boom de vendas, o que motivou a construção de novas fábricas e acordos comerciais de importação com o Mercosul e o México. Hoje temos mais de 40 marcas diferentes atuando no Brasil, com uma infinidade de modelos.

Isto gera um novo “problema”: como comparar objetivamente as inúmeras opções de escolha que se tem hoje? Vivi isto na prática.

Eu precisava de um carro pequeno, econômico, mas equipado e onde coubessem pelo menos duas cadeirinhas de crianças no banco traseiro. Não preciso de porta malas grande pois dificilmente utilizo o carro para viajar.

Dentro destas premissas havia uma gama de veículos que atendiam a estes requisitos, uns mais, outros menos: Novo Uno, March, Fiesta, Ka, Sandero, Jac J3, Novo Palio, Agile e Corsa. Um pouco mais caros o Picanto e o Fiat 500.

Ou seja, 11 opções. E citei aqui apenas os que vi ou telefonei para saber o preço, porque ainda há outras opções como o Fox, por exemplo – embora eu deteste carros da Volks. Minha preferência inicial era o Picanto, mas a recente medida protecionista – e a meu ver questionável, como explicarei mais à frente – de aumento do IPI para carros importados o tinha deixado um pouco fora do meu limite. A princípio o Novo Uno seria minha segunda opção, por ter tido sempre carros da Fiat.

Ao começar minha pesquisa logo percebi que em especial os carros da Fiat estavam bastante caros levando-se em conta comparativamente os concorrentes na mesma faixa de preço. Uma Uno “Sporting” (nada mais que o modelo comum com uma cor externa diferente e algumas faixas na carroceria) estava custando cerca de R$ 36 mil com ar condicionado, vidros, direção, air bag e ABS e não muito mais que isso – para um interior espartano. A Palio, um pouco maior, cobrava R$ 38 mil com menos equipamentos.


O Fiesta estava R$ 39 mil, mas com um pacote maior, um motor mais forte e mais espaço interno. Mas o despreparo dos atendentes da Ford onde liguei chega a ser constrangedor: deram preço mais alto que o cobrado na prática e não deram outras orientações – como, por exemplo, que as faixas do Ka Sport podem ser retiradas. Este, a propósito, me impressionou pelo excesso de plástico em sua forração interna para uma versão top de linha.

Fui ver o JAC3. O carro, chinês, tem um nível de equipamentos que nenhum carro nacional tem na sua faixa de preço, inclusive sistema de som com seis auto falantes e regulagem de altura dos faróis com várias opções. Balancei, mas acabei não fechando por dois motivos: o carro é 2001 modelo 2012 e achei o acabamento interno ruim.

Como iria financiar parte do carro no meu banco, resolvi ir à Kia dar uma paquerada no Picanto, que era o meu ideal desde o início. O preço de tabela para o modelo de entrada mecânico – que é completo, só não tem ABS e teto solar: o primeiro para quem não viaja muito como eu não é indispensável e o segundo no calor carioca é impensável – estava em pouco mais de R$ 40 mil, mas na negociação consegui baixar este valor para algo mais próximo a seus concorrentes.

Vale lembrar que o preço “real” do carro é de cerca de R$ 35 mil, mas o Picanto é penalizado por uma medida protecionista que elevou o IPI de carros importados sem fábrica no Brasil e o deixou 30 pontos percentuais acima de seus concorrentes. A meu juízo isso se configura uma clara barreira à entrada, sendo uma forma de eliminar potenciais concorrentes. Não concordo.

Acabei fechando o carro, na cor amarela (fotos). Este é outro aspecto interessante: os carros que não sejam preto, prata ou branco acabam na prática sendo menos valorizados. Como detesto prata e carro preto nunca mais, isto é algo que não me importo – na verdade até prefiro.

No fim das contas minha escolha acabou sendo feita pelo meu ideal inicial antes da pesquisa, dada a dificuldade de se estabelecer comparações objetivas. A confusão gerada pelo excesso de opções acaba tornando em geral a escolha final muito mais na base da preferência pessoal que por critérios estritamente objetivos.

Evidentemente que estes últimos foram bastante considerados. Por exemplo, o Fiat 500 chegou a ser anunciado por pouco menos de R$ 40 mil, mas apesar de ter muitos equipamentos o tamanho diminuto do banco traseiro inviabilizava a compra para mim.

Fechada a compra, tive de enfrentar a burocracia do Detran carioca. O carro foi adquirido com o emplacamento incluído, mas como havia o financiamento bancário acabou havendo uma série de percalços.

O primeiro é que o órgão exige que o contrato feito com o banco seja registrado em cartório. Este demorou a entregar o registro e perdemos o prazo para dar entrada com a documentação antes da ‘Rio+20’ – o Detran ficou fechado de quarta a sábado na dita semana.

Quando nesta segunda feira finalmente o órgão reabriu, novamente ficou em exigência: havia diferença de uma letra (uma!) entre o endereço registrado no contrato do banco e o constante em meu comprovante de residência. Explico: o nome da rua onde moro pode ser grafado de duas formas possíveis.

Com isso o banco teve de expedir uma carta de correção, mas aí havia outro entrave: a carta tinha de ser assinada pelo gerente geral da agência e ter a firma reconhecida por autenticidade em cartório – ou seja, ele teve de ir lá. Além disso o órgão exigiu uma cópia autenticada da procuração que permitia ao gerente geral assinar a tal carta. Perderam-se mais dois dias com isso.

Na prática, o carro ficou uma semana liberado na concessionária aguardando a irritante e desnecessária burocracia do Detran. Isso porque o despachante ajudou bastante: se eu tivesse de resolver por conta própria talvez levasse uns quinze dias, até porque não tenho disponibilidade de sair do meu trabalho toda hora.

Bom, no fim das contas, no momento em que escrevo devo ter rodado uns 70 quilômetros com o carro. Por dentro é silencioso, bem mais espaçoso que o aparente, e contém uma quantidade de equipamentos típica de carros maiores. Sair de uma Uno e entrar em um Picanto é como se sair de 1984 e se transportar direto para 2012.

A impressão inicial é bastante positiva. Fica claro que o aumento do IPI é um estratagema para impedir a competição plena, porque este carro a R$ 35, 36 mil iria arrasar a concorrência nacional. O Picanto entrega muito mais pelo mesmo preço.

Voltarei ao tema das barreiras artificiais à entrada em outra oportunidade, mas este é um caso típico. E me parece curioso perceber que quanto mais opções de escolha temos mais temos dificuldade de definir o que racionalmente nos atende.

(Fotos: Elaine Fagundes, vendedora da Kia)

P.S. – o Banco do Brasil está com umas taxas bastante interessantes para financiamento de veículos.